Por Nelson Rocha, de Portugal –
–Essa narrativa de dimensões autobiográficas começa, – autobiografia entendida como tudo que se vive, vê, escuta, toca e sente,– na noite de 31 de março de 1964, já entrada na madrugada de primeiro de abril, data que servirá de marco para os voos para trás e para a frente. Essa noite, início de dia, sem ser dia ainda, funciona como o centro do pêndulo da existência como jornalista, que nesse exato dia nem saberia definir o impacto que teria em minha identidade ou no desenrolar de minha vida, seja ela afetiva, profissional ou existencial. Era uma noite que misturava o trágico de 31 com o lúdico e humor de 1º de abril, Dia da Mentira, tão vivo em nossas brincadeiras de crianças ou em família, pregando peças uns nos outros-.
A partir da narrativa do querido e ilustre xará, quiçá inspirada durante mais um plantão na redação do Jornal da Bahia, na Barroquinha, capital baiana, somos conduzidos pela história e agruras da profissão na época para, em seguida, literalmente mergulharmos em breves passagens da sua vida em Irará, distrito de Água Fria, na fazenda Bem-Feito, bem ditas no sumário na busca por antecedentes para uma identidade.
O toque de recolher riscado
– Aquele primeiro de abril chegava ao fim com notícias tenebrosas de generais invadindo aqui e ali. Registrava as manifestações da classe média nacional, conservadora e cientes de suas propriedades e de seus valores aquinhoados desde os tempos de colônia. O 1ºprimeiro de abril, se era piada, era também uma realidade franca e bruta com as manifestações de ruas contra João Goulart, a favor da intervenção militar. As tradicionais famílias, de todas as partes do país, apareciam para ocupar as mesmas praças dos trabalhadores e dos discursos de privatizações e expropriação de terra proferidos por Jango, no último 13 de março. Traziam bandeiras e novas palavras de ordem que me pareciam extremamente subversivas em sentido oposto. Para nós, no Jornal da Bahia, um asco que nem poderíamos divulgar e denunciar, da mesma forma que esses denunciavam qualquer progressista, chamando-o de comunista, uma palavra proibida desde o senador americano McCarthy. Na manhã de 2 de abril, os jornais por todo o Brasil traziam largas manchetes e matérias sobre as manifestações contra Jango. Além do Jornal da Bahia, apenas três se pronunciavam em defesa da constituição: Última Hora, A Noite e o Diário Carioca; o Última Hora era o único que possuía circulação nacional. Os tons e manchetes dos grandes jornais eram diversificados, mas deixavam patente a defesa da intervenção militar, talvez nem imaginassem que os militares ficariam no poder por 21 anos-. O texto da abertura de O toque de recolher riscado na apresentação do sumário.
A censura institucional: desvantagens e vantagens
E sempre inspirado, Nelson Cerqueira, com quem convivi como repórter nos anos 70, os de chumbo, na redação do extinto Diário de Notícias de Salvador, e de quem tenho a honra de ser parceiro musical, segue relatando o clima e acontecimentos do período ditatorial no país ocupando as páginas dos cotidianos, sob o olhar da censura.
–Tratando-se, por princípio, de violação à liberdade de expressão, direito essencial e elementar da democracia, atingiu a imprensa de maneira diferenciada uma vez que o termo se refere a um conjunto muito amplo e variado de órgãos de informação. Assim, se a censura serviu para cercear periódicos de grande circulação como Última Hora, Jornal da Bahia, Correio da Manhã e os da imprensa alternativa, como Opinião, Movimento, Em Tempo, Pasquim, foi igualmente útil a muitos outros para calar aqueles que veiculavam posições contrárias ao regime e/ou à ordem capitalista. A censura, assim, desempenhou papel fundamental na implantação e na consolidação da ditadura, silenciando uns e servindo a outros. Houve abençoados pela censura que construíram impérios de comunicações, impérios que, por conveniência financeira, passaram a apoiar cada vez mais a direita e que, por vezes, para receber gordos benefícios apoiam qualquer governo de qualquer nuance de arco-íris-.
Ponto de contato no meio do caminho; O toque de recolher riscado; Brevíssima revisita aos antecedentes ao 1ºprimeiro de abril ; Crise de Cuba e plebiscito para presidente pleno; Brasil e Estados Unidos: um semestre terrível; Novas revelações: uma visita com relatos das conspirações; são escritas sobre experiencias selecionadas para compor o conteúdo contemporâneo de um lançamento literário oportuno, que proporciona uma enriquecedora leitura.
Regime militar e além: retrato e identidade de um jornalista
Excelente dentre em breve estaremos com a Livraria Casa do Livro em um local histórico de Salvador e certamente Nelson será convidado para falar de história biográfica
Oi!
Como faço para ter acesso ao livro e/ou ao autor?
Abs!
Roberto.
Obrigado por nos contactar, Roberto. Sugerimos consultar a página do autor no Facebook e Instagram para mais informações.
Equipe PTT