Dono de restaurante na Espanha processa Tripadvisor por críticas negativas

Por Jesus Garcia

Você chega ao porto esportivo de Valência, exatamente onde termina a faixa de areia da praia da Malvarrosa. Você está faminto. Dá uma olhada no cardápio do Marina Beach Club. Você pode comer um arroz meloso de pato com cogumelos e alcachofras da época (16,50 euros). Ou, pelo mesmo preço, uma paella valenciana. Mas você duvida se valerá a pena. Então consulta os comentários que gente como você escreveu no Tripadvisor, um portal que, com opiniões sobre cinco milhões de restaurantes em todo o planeta, se tornou uma bússola para viajantes e foodies. Você descobre que tem uma pontuação de 3,5 sobre cinco (não chega ao notável), há queixas recorrentes sobre o serviço e alguém rebatizou o lugar de “Tóxico Beach” porque o steak tartare lhe caiu mal.

Dirige a pergunta para um peixe gordo do Tripadvisor: Bradford Young, um norte-americano impassível que usa um terno cinza e tem um sorriso perfeito. O vice-presidente está acompanhado por outros chefes da empresa na pequena sala de visita da Cidade da Justiça, em Barcelona. Enérgico e otimista, Young responde com a ajuda de um intérprete que sim, que eles controlam os comentários… mas até certo ponto. Diz que há dois filtros prévios: as máquinas (software, algoritmos) primeiro; os seres humanos, depois, no caso daquelas falharem. “Recebemos milhões de comentários e sabemos o que é normal. Quando algo não é, se destaca. Assim, podemos controlar a confiabilidade das opiniões e quais são fraudulentas”.

Mas cuidado: o Tripadvisor “não faz fact-checking”. Não verifica se os dados são falsos. Não sabe se a usuária teve o estômago realmente destroçado depois de comer o steak tartare. Ou se o Marina Beach Club é uma simples “barraquinha” (como dizem os usuários) ou um autêntico clube de praia (como defende seu dono). Nem se os garçons tratam os clientes como “gado”, segundo outra usuária. “Os comentários têm que estar de acordo com o que está estabelecido nos nossos guias”, diz Young, que apela aos “quase 20 anos de experiência” da empresa para saber que as opiniões geralmente são “confiáveis e úteis” para os viajantes. Young lembra que a empresa também tem ferramentas “reativas”. E que o comentário sobre fraude na Seguridade Social foi excluído em “24-36 horas”. “Nós só fazemos hosting, não publicamos as opiniões, que são dos usuários”, enfatiza.

O Marina Beach Club apareceu no Tripadvisor sem querer estar. Um usuário criou o perfil do restaurante. Isso pode ser feito. O portal só comprova que é “um lugar aberto ao público e que serve comida em um lugar concreto”, diz o vice-presidente. As opiniões negativas se sucederam. E Calero reivindicou o perfil, um “direito” do qual pode desfrutar “grátis”, enfatiza Young. Ele o fez para fechá-lo. Mas não conseguiu. Entrar é fácil; sair, missão impossível.

Selo do Tripadvisor na entrada de um estabelecimento no centro de Barcelona.
Selo do Tripadvisor na entrada de um estabelecimento no centro de Barcelona. Foto: Albert García

Liberdade de expressão

Young diz que, se cancelasse a inscrição dos restaurantes que o solicitam, o Tripadvisor estaria atentando contra a sacrossanta liberdade de expressão. “Se não existisse um perfil criado, o usuário não poderia dar sua opinião ou compartilhar sua experiência, e isto é um direito humano básico”, diz sem perder seu sorriso ou sua energia. Também se estaria restringindo o “direito à informação” dos viajantes. O mesmo vale para os comentários: “Não estamos nos anos cinquenta. Se um restaurante não gosta, não vamos silenciar a pessoa que emite uma opinião”.

Os proprietários, lembra Young, podem responder aos comentários (eles têm “a última palavra”) e fazer isso “grátis”. É bom que o façam porque os usuários o agradecem. De passagem, ele lembra que deveriam oferecer “um grande serviço em cada refeição”, porque qualquer pessoa que cruza a porta do restaurante “pode ser o que deixará uma opinião”. Esses comentários são a base de toda a estrutura. “Se as opiniões caírem de qualidade, não teríamos visitantes. A publicidade cairia e não haveria negócio”, admite o vice-presidente. A empresa gerencia 360.000 opiniões diárias. Menos de 1% é objeto de reclamação.

Para o advogado do empresário — que com seu clube de praia fatura 13 milhões de euros por ano — isso tudo não é um exemplo de liberdade, mas de tirania. Se você não se inscreve, falam mal de você. Se você se inscreve, tem que “ceder seus dados” e “ralar para explicar por que esse senhor não tem razão”. “Somos trabalhadores forçados do Tripadvisor”, lamenta em sua alegação final. “Por que tenho de olhar diariamente o site para ver se disseram que minha comida é nojenta? Por que tenho que estar sujeito a esse estresse?”

Sua pergunta flutua na sala antes que a advogada da empresa use a palavra para dizer que o processo é confuso, que o direito à honra do Marina Beach Club não foi violado, nem que a empresa pode ser acusada de concorrência desleal. E mais: não deveriam sequer poder processar o Tripadvisor Espanha porque não tem “absolutamente nada a ver” com o Tripadvisor. O advogado insiste: “Deveríamos poder cancelar a inscrição se quisermos, saímos escaldados. E não somos os únicos”.

Calero, o dono do Marina Beach Club, tentou contar a sua verdade em uma entrevista a um portal menos conhecido que o Tripadvisor, o 5Barricas: “Nosso ponto forte é a gastronomia. Você pode comer muito bem em traje de banho ou vestindo o terno mais exclusivo”. Não foi perguntado sobre o steak tartare.  Fonte: El País.

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