Por Edvaldo F. Esquivel
Um dos mais importantes prédios do Centro Histórico de Salvador, mais precisamente na subida Rua Chile, o Palace Hotel passou um bom tempo em reforma. Agora, completamente restaurado, o emblemático edifício inaugurado em 1934 ressurge em alto estilo, trazendo boas perspectivas de revitalização de toda aquela degradada área da Cidade da Bahia.
De fato, quem passa pelas ruas d´Ajuda e do Tesouro em direção à Praça da Sé e/ou o Terreiro de Jesus e Pelourinho, não tem como disfarçar o constrangimento, a tristeza, de ver o estado de abandono de todo o entorno da Rua Chile. A outrora chique e movimentada artéria hoje mais parece uma cidade fantasma, com prédios em estado deplorável de conservação, subutilizado por um comércio precário.
Por muito tempo os tapumes das obras do Palace Hotel chamaram a atenção de baianos e turistas que por ali passavam. A Fera Investimentos, um grupo paulista, comprou o antigo imóvel com a promessa de reformá-lo e fazer surgir o novo Palace Hotel, de saudosa memória.
Os mais céticos viam tudo aquilo como uma gota d´água no oceano de decadência de todo aquele trecho do Centro Histórico de Salvador. Alguns lembram que durante muitos anos a Rua Chile foi referência no comércio da primeira capital do Brasil, com seus modernos edifícios ocupados por escritórios de renomados advogados, consultórios médicos; agências de bancos, a exemplo do finado Econômico ali funcionou. As lojas de departamento mais disputadas Sloper, Duas Américas, Mesbla. Os Gonçalves, e o Adamastor eram as mais procuradas do comércio local até o final dos anos 1970.
A partir daí, o abandono foi crescente. O motivo era a descentralização da cidade para a área do recém inaugurado Shopping Iguatemi, na área da nova estação rodoviária. O comércio da Rua Chile e adjacências definhava, enquanto o novo templo do consumismo agigantava-se. A degradação veio com o passar dos anos, de forma despercebida, alimentada pela indiferença dos poderes públicos. Verdade é que, na contramão das grandes metrópoles, os governantes daqui pouco fizeram para planejar um novo tempo para o antigo centro de Salvador.
Influência direta da cultura de consumo norte-americana, que então se expandia por toda a América do Sul, a partir dos anos 1970, os shoppings-centers foram facilmente incorporados à vida do soteropolitano, devido ao conforto, praticidade, opções de lazer e segurança.
Nunca se comprou tanto; e o conceito de tudo num só lugar nunca funcionou tanto… O novo espectro da economia baiana, soteropolitana, cristalizava-se sem culpas. Pouco importava o fato trágico de que, na prática, incorporava antigo ditado popular: “Descobrir um santo para cobrir outro”.
Mistérios insondáveis
A Salvador futurista era caminho sem volta. Tudo bem… Os arranha-céus surgiam partout, mas não precisavam condenar o antigo centro comercial de Salvador – e por extensão o Centro Histórico — ao abandono. E foi o que se viu… O desafio agora é maior. É como buscar o tempo perdido em propostas de urbanização e revitalização que se perderam.
Faltou visão política. Uma coisa simples capaz de permitir que projetos e ações preventivas não fossem postergados anos a fio. E se falava nisso todo dia. A imprensa, os órgãos de turismo, representantes de lojistas, comerciantes. Nada foi feito. Mudava-se de governo como mudava-se de roupa e a tão sonhada revitalização do Centro Histórico nunca acontecia. A despeito da convicção ampla e irrestrita da força cultural e turística de toda aquela área abandonada.
Tudo a ver com esses mistérios insondáveis de gestões públicas nesse país, que por aqui também passaram em branco, nos últimos 30 anos pelo menos. A iniciativa privada, mesmo querendo colaborar com projetos de recuperação de imóveis, parece-me que ficava inibida. O Centro Histórico hoje é uma vergonha para os baianos que prezam sua cultura e a memória urbana; é uma tristeza para os turistas que aqui chegam e passam por lá… apressados, a caminho do Pelô. Mesmo a Praça Municipal, onde pontua o Elevador Lacerda, fica muito a desejar; a área do tradicional “A Cubana” é uma lástima. O Museu da Misericórdia fica aquém do seu potencial de visitação; a Catedral da Sé está em obras de reforma que nunca acabam. A Praça do Terreiro, o Pelô, nem sei mais.
Basta lembrar que cidades históricas europeias fizeram exatamente o contrário: revitalizaram centros antigos para o turismo e a própria vida citadina. A esperança agora é que a restauração do Fera Palace Hotel abra novas perspectivas de revitalização da Rua Chile.