Guilherme Arantes comemora 45 anos de trajetória artística com disco novo

Por João Paulo Barreto

Planeta Água, Raça de Heróis, Meu Mundo e Nada Mais, Amanhã, Um Dia Um Adeus, Coisas do Brasil, Brincar de Viver, Cheia de Charme, Deixa Chover, Perdidos na Selva e várias outras. A lista de canções pilares na estrada percorrida por Guilherme Arantes é grande. Autêntico hitmaker, o cantor, compositor e multi-instrumentista, cujo destaque principal da trajetória está no piano, acaba de completar 68 anos de idade e 45 de carreira.

Cantor e compositor paulista flerta com o rock progressivo no novo disco. Foto: Marcia Gonzalez/Divulgação

Como marco, lançou A Desordem dos Templários, disco com influências do rock progressivo e letras que criam pontes entre passado e presente ao abordar, como na faixa-título, a história da humanidade através de suas guerras reais e mentais. Mas antes de adentrar no material literário escrito por Guilherme Arantes neste mais recente trabalho, é necessário voltar um pouco no tempo e abordar a introspecção do autor em um período anterior ao do caótico 2020.

“A virada de 2019 para 2020 foi marcada por uma angústia estranha”, relembra Guilherme. “Queria dar um rumo para a minha carreira porque eu vinha me sentindo progressivamente irrelevante. A gente conquista um lugar na música, no respeito das pessoas, fica famoso, faz os shows, mas não é bem isso. Existe um algo mais que é a mente pensante. A mente fabricando coisas e tendo repercussão”, reflete o cantor.

Tal angústia acabou por nortear os passos seguintes do artista em suas leituras e pesquisas, dentre essas, um aprofundamento em diversas biografias de nomes pilares da música brasileira.

Morando desde 2019 na pequena cidade de Ávila, na Espanha, a ideia era passar apenas alguns meses por lá e retornar ao Brasil. Quando a pandemia teve início, em março do ano passado, esse plano mudou. Sua permanência no país europeu tornou-se indefinida. Junto apenas à sua esposa, Márcia Gonzalez (baiana, mas de família espanhola), Guilherme acabou por mergulhar na literatura e nessa contemplação de uma história milenar oriunda do velho mundo.

Essa procura teve início, entretanto, um pouco antes. Mais precisamente no disco de 2017, Flores & Cores, cuja faixa Semente da Maré já abordava um pouco dessa busca por outro lugar para viver. “Um outro lugar que era uma coisa que fazia com que eu me sentisse meio como um refugiado no mundo nessas viagens ao longo desses anos. E foi se aprofundando um vínculo, um interesse, um fascínio por essa história secular. E isso é uma coisa que nos falta. Nós, brasileiros, temos um país bem mais jovem. Bem mais, digamos, superficial em termos históricos. E aqui foi o lugar que despertou coisas recônditas na minha música, no meu modo de olhar o mundo. A Espanha virou, então, esse fascínio”, contextualiza o músico.

Veia nordestina

Em sua faixa-título, o novo disco tem perceptível essa proposta de visitar a história secular a partir de uma balança entre passado e presente. Ou, como a própria letra diz, um “pêndulo imerso em escuridão que balança entre paredes da memória”.

A Desordem dos Templários caminha pelo território de uma ópera rock, unindo de modo contagiante estilos musicais que crescem, passando, inclusive, por uma veia nordestina. Junto com a letra, esse levante visita diversas reflexões do mundo, sua evolução e involução.

“É uma alegoria que, ao mesmo tempo, é uma utopia. A figura do templário é uma figura utópica, quixotesca. É uma figura nobre nos seus propósitos iniciais, mas é uma figura anacrônica da busca através da guerra, de um corretivo para algo que está fora do normal”, explica Guilherme ao descrever o personagem de sua escrita.

Tal alegoria, no aspecto histórico de sua presença, tem na letra de Arantes uma forte reflexão sobre essa nossa distopia atual. “O que me interessa é a angústia que essa música traz. Por exemplo: ‘As crianças com receio de crescer’; ‘contaminar o céu da cápsula de um tempo sem rancor’; ‘cada dia é uma batalha desigual em nome de uma paz e tudo que se entende por normal’ (trecho da música) é a busca através da guerra para se conquistar amor e paz. O que tentei levantar, e que é mais importante, é a gênese da distopia. Quer dizer, por causa desse colapso da linguagem, você partir para a guerra em nome da ordem, da paz e do amor. É estranho um poder militar tentando impor uma fé cristã à época”, pontua o músico.

Aspectos pessoais

Sendo um disco gravado durante um período de confinamento, além de coincidir com uma fase de convalescença do músico, que enfrentou uma braquialgia – deixando-o acamado por um tempo –, é natural que uma vertente mais íntima reverbere pelas composições.

Uma das faixas, inclusive, bate pesado por refletir a perda de sua própria mãe, dona Hebe, que faleceu em 2020, e de quem o músico não pôde se despedir pessoalmente. Ao falar sobre o fato, Guilherme pede desculpas por se deixar levar pela emoção ao não impedir as lágrimas que surgem quando explica o processo de composição de Estrela-Mãe.

“Eu tive poucas oportunidades de zerar o placar, de zerar a minha relação com a minha mãe”, explica o compositor. “Nas últimas décadas, fiz muita força para estar junto a ela. Meu pai faleceu em 2003. De lá para cá, eu ia direto a São Paulo. Convidava-a para almoçar, para jantar. E ela batia papo comigo. A gente zerou muito nossa relação”, relembra Guilherme.

Estrela-Mãe, para o ouvinte, remete à reflexão de uma relação mal resolvida com os próprios pais. É o meu caso. Pensar no aspecto de entrega pessoal do músico dentro desse processo de composição é algo admirável, principalmente por ouvi-lo dizer que sua mãe escutou aquela carta de despedida já no leito de morte.

“A letra é um arrependimento no último minuto do segundo tempo da prorrogação. Mas, ali, a hora já tarda e a noite já veio. Já estou no anoitecer. Já sou um cara de idade. E aí venho pedir perdão. Foi uma coisa lancinante que a minha mãe ouviu no leito de morte. Desceu uma lágrima dos olhos dela. Mas ela sorriu, também”, sorri Guilherme.

Progrock

Em um das faixas, a instrumental Kyrie, o Guilherme Arantes de sessenta e poucos remete ao rapaz de vinte e poucos, ainda nos anos 1970, influenciado pelo rock progressivo de nomes como Yes, Emerson, Lake & Palmer e Vangelis.

“O Progrock foi muito importante na minha mocidade. Foi quando se convergiram conceitos não só da psicodelia, do uso de substâncias de conexão e de substâncias transformadoras de percepção. Essa época na minha vida, que foram os anos 1970, o progressivo era uma coisa inacreditavelmente bela”, reflete Guilherme, e crava, ao pensar em toda sua trajetória de quase meio século: “Não sei se vou longe demais com minhas pretensões. Eu sou apenas um bardo, um menestrel, um trovador do afeto. É assim que eu me defino”.

*Fonte: A Tarde

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