Turismo de experiência: Beira Baixa (PT) tem seis aldeias com tantos mimos aos visitantes

 

O afeto das pessoas que vivem nas aldeias tem algo de especial: é natural, sai-lhes do coração. O propalado custo da interioridade não lhes pesa, talvez por que acarinham como poucos o valor da identidade. Passear e conhecer as pequenas e charmosas povoações da Beira Baixa é um aconchego para a alma: os recantos são um encanto, a paisagem arrebata, a gastronomia agarra, a história e as estórias prendem. Nesta ruralidade há uma realidade mágica.

A energia de Ana Louro, 34 anos, é simplesmente contagiante. Presidente da Associação para o Desenvolvimento de Sobral Fernando, aldeia limítrofe do concelho de Proença-a-Nova, ei-la pronta para ir regar as plantas da belíssima floreira situada na entrada da povoação onde restam 43 habitantes, boa parte de idade avançada. Na verdade, toda a aldeia é um jardim, fruto do espírito comunitário que ali impera.

“Aqui, toda a gente faz o que pode para termos a aldeia bem tratada”, diz Ana, enfermeira que trocou a azáfama de Lisboa pela sua terra natal. Limpar as ruas e livrá-las de ervas é tarefa diária. Mas há outras de maior fôlego, como reconstruir dois moinhos na ribeira da Fróia, ou fazer um chafariz. Ninguém na povoação se furta ao trabalho. Nem a Ti Maria que, com 91 anos, tem a cargo os panos de crochê e as molduras de palhinha que serão vendidos nas feiras. O lucro há de servir para embelezar ainda mais o povo. Esta aldeia é um mimo.

Bom dia, diz a galinha

Outro exemplo, ainda em Proença-a-Nova: Figueira integra a Rede de Aldeias de Xisto (das 27 distribuídas por 16 concelhos da região Centro, quatro pertencem à sub-região da Beira Baixa). Se chegarmos cedo, sentiremos o aroma guloso do pão que coze no forno comunitário, receberemos os bons-dias das galinhas sossegadas nos seus poleiros e repararemos nos olhos ainda estremunhados, mas já desconfiados, das cabras.
A povoação é plana, mas o núcleo central enrodilha-se num labirinto de ruas e ruelas com casas feitas de granito roubado às montanhas. As cancelas – e há muitas – estão abertas, convidando a caminhar pelos olivais de onde ainda sai o “ouro verde” que já foi a grande riqueza da aldeia. Razão para a existência de imensas cancelas: nos séculos XVII e XVIII, ao final do dia, a aldeia fazia-se fortaleza, para evitar a entrada de lobos na povoação.
Quintais, arrumos agrícolas, currais e capoeiras misturam-se em todo o espaço urbano. Isso e as hortas, de onde saem as couves que acompanham o inolvidável plangaio servido na Casa Ti”Augusta, ícone gastronómico deste território beirão.

É um pulinho até Álvaro (foto), aldeia de xisto do concelho de Oleiros. Vista cá de cima, parece uma alva muralha que guarda a passagem do rio. Alva porque branca (o xisto foi rebocado), a povoação serpenteia pacatamente ao longo de uma encosta sobranceira ao rio Zêzere, acomodada na albufeira do Cabril.

O património religioso é relevante, resultado da importância que Álvaro teve para as ordens religiosas, designadamente a Ordem de Malta. A Igreja Matriz vale uma visita, mas imperativo é mesmo fazer o chamado circuito das capelas, para apreciar a arte sacra.
Aos pés da aldeia estende-se a refrescante albufeira da Barragem do Cabril, lugar que pede banhos e olhos de ver, único modo de apreciar a paisagem ondulante de montes e serras que se alonga até à Serra da Estrela.

Mais um pulinho e estamos em Castelo Branco, território de duas aldeias de xisto.

Sarzedas  (foto) distingue-se pelos traços de cor que lhe marcam as fachadas das casas rebocadas. Mas também por ser a única aldeia de xisto a quem foi atribuído um título nobiliárquico. Antiga vila e sede de concelho, o pelourinho, o largo, as igrejas e capelas, sobressaem numa malha urbana com casas de traçados e volumes belos e grandiosos. Lá no Alto de São Jacinto, junto à Igreja Matriz, o Campanário ergue-se solitário sobre a aldeia. A não perder, no que diz respeito ao artesanato: a tecelagem, as colchas de linho e os bordados, a cestaria em verga e a belíssima cerâmica em barro vermelha. A não perder, no que ao palato diz respeito: maranhos, cabrito no forno, enchidos e tigelada.

Ainda em terras albicastrenses, Martim Branco (foto), também aldeia de xisto, soube reabilitar os fornos comunitários, o que deu revigorada vida à comunidade. Terreno de relevos variados, (altos e baixos, estreitos e largos, arredondados e bicudos), a aldeia testemunha um raro casamento do xisto com o granito nas suas casas. As portas ostentam belas e vistosas ferragens. De tão pequena que parece, imaginamos a aldeia parada no tempo, entre penedos de xisto e de quartzo. As construções são modestas, mas guardam um tom que o tempo não destruiu. Aqui, há sempre um recanto que nos encanta.

Passear pelas aldeias históricas de Monsanto e Idanha-a-Velha, ambas no concelho de Idanha-a-Nova, é constatar que nem só de características geológicas se faz o cartão-de-visita destas vizinhas beirãs. Foto: Monsanto, crédito André Rolo / Global Imagens.

 

Por Monsanto passaram romanos, visigodos, árabes, aos quais D. Afonso Henriques tomou a povoação e a entregou aos Templários, que no ponto mais alto da aldeia construíram uma cerca com uma torre de menagem e o Castelo, para aumentar as defesas do local, classificado Monumento Nacional em 1948, por corresponder a um exemplar de arquitetura militar do período medieval, juntamente com as suas Muralhas.

Outros lugares merecem destaque nesta povoação onde viveu Fernando Namora e outros ilustres. Casas que se confundem com os pedregulhos, a Igreja da Misericórdia e a Igreja Matriz, o Solar do Marquês da Graciosa, onde se encontra o posto de turismo, entre estradas de pedra iluminadas pelos tradicionais candeeiros de rua, são apenas alguns exemplos.

Idanha-a-Velha, a célebre cidade romana Civitas Aegitidanorum (documentada desde o ano 16 a.C.), é referência obrigatória de todos os roteiros arqueológicos de Portugal. A História desta localidade é repleta de vestígios de outros tempos. Visigodos e árabes, guerreiros medievais, cavaleiros do Templo e “senhores da terra” aqui deixaram marca. A Catedral visigótica, com um batistério de piscina no exterior, impressiona pela dimensão e riqueza. Hoje, acolhe um dos conjuntos epigráficos mais importantes referentes ao período da permanência romana na Península Ibérica.

As Muralhas e a Torre de Menagem foram reconstruídas na época medieval, abraçando o povoado tendo em vista a proteção e segurança dos seus habitantes. A Porta e Ponte Romanas do Pônsul, o Pelourinho (século XVI), a Capela de S. Dâmaso e o Museu Egitaniense são de visita obrigatória.

Terá sido, porventura, Luís Pedro Cabral quem, na introdução ao livro de Valter Vinagre “Beira Baixa – sob perspetiva” (edição da Comunidade Intermunicipal da Beira Baixa) melhor descreveu, recentemente, o elevado valor deste fantástico território. “Há na ruralidade realidade e, nesta, futuro sustentável. Envolve partida. Envolve viagem. Envolve regresso. Tudo é interior. Somos todos interior. O nosso interior é Portugal. Talvez um dia este conceito vigore melhor, embora qualquer pessoa de bom senso saiba que os maiores desertos ficam no interior das cidades”.

Esta é a mais puras das verdades.

P.S. O que ver, o que fazer e onde ficar durante a visita a estes paraísos? Está tudo aquiaqui aqui.

 

Fonte: Jornal de Notícias/PT, Demais fotos: Divulgação

Deixe seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *