O que a tragédia em Petrópolis e Arnaldo Jabor têm em comum?

Por Paulo Atzingen*

Tudo.

Não porque o cineasta, escritor e jornalista tenha morrido no dia 15 de fevereiro, mesmo dia da catástrofe anunciada de Petrópolis.  As coincidências vão bem além.

A passagem desse colega jornalista por essa breve temporada humana – embora Jabor tenha vivido oito décadas- foi trepidante, explosiva, cheia de brilhantismo e de uma indignação completa.  Ele usou todas as ferramentas de seu ofício, pá, enxada e picareta para remover o entulho que se transformou o Brasil.

Sua disposição em se indignar com a corrupção, com a barbárie e com o racismo no país ficou latente – a meu ver  – muito mais em suas crônicas lidas, gritadas, vociferadas nos jornais da Globo e Nacional do que em suas produções de cinema. Isto porque Jabor na crônica ia direto à ferida, expunha o pus que exalava do tecido político-empreiteiro brasileiro com uma força e ao mesmo tempo com uma leveza que só Nelson Rodrigues ou Carlos Drummond de Andrade tinham conseguido.

Seus sete longas, seus dois curtas e seus dois documentários – alguns obras-primas outros obras experimentais, talvez não tenham tocado a alma e a inteligência do brasileiro porque necessitavam justamente disso, de alma e inteligência. E não é o cronista aqui e agora que fala isso. É o próprio Jabor:

O Brasil está tonto, perdido entre tecnologias novas cercadas de miséria e estupidez por todos os lados”.

“Sei que a internet democratiza, dando acesso a todos para se expressar. Mas a democracia também libera a idiotia. Deviam inventar um “antispam” para bobagens.”

“Vivemos a grande invasão dos lugares-comuns, dos uivos de medíocres ecoando asnices para ocultar sua solidão deprimente”.

Tantas vezes ao ouvir Jabor no jornal da Globo vilipendiar o burocrata, o capitalista,  o comunista, o insensato, o desonesto, o medíocre,  ia dormir vingado, com as contas acertadas com tudo e com todos.

Foi dele, e não desses apresentadores de jornais pasteurizados (mas úteis) que ouvi pela primeira vez em rede nacional a palavra pusilânime.

Quando Jabor falava dessa estupidez que nos rodeia ele claramente não queria se referir ao pai de família sem oportunidade que foi morar em uma ribanceira no morro de Petrópolis.

Quando Jabor falava dessa mediocridade que nos rodeia ele não quis falar desses alunos de escola pública que não sabem matemática e nem Língua Portuguesa.

Ele falava da estupidez do homem público que teve a chance de planejar e não planejou, teve a chance de prevenir e não previniu. Teve a chance de evitar e não evitou.

Ele falava do burocrata comunista ou liberal, do líder moderado ou revolucionário que usa a ignorância e o analfabetismo para vender smartphones a uma moçada que não tem ideia do que é escola.

Ele falava ao executivo municipal que usou o seu tempo (e o nosso dinheiro) para ir a Miami e não recuperou as encostas dos morros.

Ele falava ao executivo estadual que usou parte do dinheiro do reflorestamento das margens dos rios para plantar mudas em sua fazenda.

Quando Jabor usava a palavra pusilânime ele se referia (talvez) aos governadores do Rio de Janeiro que assistiram em 2011 a morte de 900 pessoas naquela mesma região. E nada, ou quase nada foi feito.

Quando Jabor usava a palavra pusilânime ele se referia aos homens públicos sem vontade política em demolir casas em locais de risco e realocar as pessoas em terrenos firmes e estáveis. Dinheiro tem, sempre teve.

Pusilânimes.!

Parece pesado? Na boca de Jabor sairia como poesia. Carioca que era não deixaria passar em branco essa tragédia em Petrópolis. Chamaria todos de pusilânimes! Todos iriam dormir e no dia seguinte a síndrome do céu azul de Brigadeiro e da pusilanimidade pairaria sobre as cabeças.

*Paulo  Atzingen é  jornalista, diretor-editor do Diário do Turismo; Foto: Divulgação

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