Por Hugo Sukman
Depois de alguns anos praticamente dedicados à literatura, que resultaram no romance ‘Essa gente’ e no volume de contos ‘Anos de chumbo’ – cujo título e histórias refletem o contexto desses anos de baixo astral, pandemia, abandono e tragédia política – os dedos largaram as teclas do computador e finalmente de volta ao instrumento pareciam mesmo se rebelar e a procurar uma batida diferente, feliz, quase eufórica, uma levada ao violão como a insistir: ‘Que tal um samba?’.
E aí, levada de samba nos dedos, cabeça e coração voltaram a pensar e a sentir a música e a agir. E Chico Buarque, como é bem de seu feitio, começou a recordar velhos sambas, um especialmente, sucesso de Blecaute no carnaval feliz de 1949, ‘Que samba bom’, composição de Geraldo Pereira também numa levada toda sincopada como a sua, algo eufórica, “ô, que samba bom/ô, que coisa louca/eu também tô aí/tô aí, que é que há/também tô nessa boca…”. Sambas sobre samba, o ‘Feitio de oração’ de Vadico e Noel Rosa, essa tradição e esse espírito vinham junto com a levada ao violão como a propor ao compositor enferrujado: ‘Que tal um samba?’.
E aí, da levada criada exclusivamente pelos dedos se exercitando ao violão, o coração e a cabeça fizeram brotar uma melodia espontânea, fluente, a harmonia como sempre personalíssima. A letra, depois de alguns caminhos abandonados, veio aos borbotões. Um samba novo enfim, diferente de todos os outros que já fez, mas no mesmo espírito que baixa sempre quando o compositor de ‘Tem mais samba’, de ‘Apesar de você’, de ‘Vai passar’, de ‘De volta ao samba’ parece ter algo importante a notar e a dizer. Como sempre, nessas ocasiões importantes, em forma de samba.
“Um samba pra alegrar o dia
Pra zerar o jogo
Coração pegando fogo
E a cabeça fria
Um samba com categoria, com calma”
‘Que tal um samba?’ É o que nos propõe agora, em junho de 2022, Chico Buarque: “Para espantar o tempo feio/Para remediar o estrago”.
É o novo hino que Chico nos oferece, um samba que parece, como os dedos do compositor no início de tudo, buscar um tempo melhor (“Cair no mar, lavar a alma/Tomar um banho de sal grosso, que tal?”), espantar o baixo astral (“Sair do fundo do poço/Andar de boa”), procurar um samba pela cidade para se divertir (“Ver um batuque lá no Cais do Valongo/Dançar um jongo lá na Pedra do Sal/Entrar na roda da Gamboa”, diz, referindo-se aos berços e até hoje rodas de samba importantes no Rio).
‘Que tal um samba?’, este samba tão ao mesmo tempo urgente e já histórico, será lançado pela Biscoito Fino nas plataformas digitais neste dia 17 de junho. E é a grande novidade da turnê pelo Brasil que o compositor inicia em setembro, por João Pessoa e, depois de percorrer Natal, Curitiba, Belo Horizonte, Recife, Fortaleza, Porto Alegre, Salvador e Brasília, chega ao Rio em janeiro e a São Paulo em março do ano que vem. No show, Chico terá no palco a companhia de Mônica Salmaso, a cantora dos compositores, que já gravou dois discos dedicados à sua obra (‘Noites de gala, samba na rua’, em estúdio e ao vivo) e fará números solo e duetos com ele, em todas as apresentações da turnê.
Conduzida evidentemente pela tal levada do violão de Chico, a gravação de ‘Que tal um samba?’ Foi feita no estúdio da Biscoito Fino pelo conjunto que o acompanha há muitos anos, dirigido por Luiz Cláudio Ramos, que toca o outro violão, João Rebouças no piano, Jorge Helder no baixo e Jurim Moreira na bateria. A cadência vibrante do samba fez necessária uma percussão, e para isso foi convidado Thiago da Serrinha. É um bandolim, do revolucionário do instrumento Hamilton de Holanda. Ambos, Thiago e Hamilton desde a introdução acompanham a caminhada literal do samba e costuram e enfeitam a gravação de contracantos e contrapontos exuberantes. Tornam-no ainda mais feliz.
Como ‘Apesar de você’ em 1970, ‘Que tal um samba?’ é em 2022 ao mesmo tempo um samba eterno, popular, mas essencialmente histórico, político. Política aí no sentido contemporâneo: vivida nas ruas, na praia, no futebol (“Fazer um gol de bicicleta/Dar de goleada”), no amor e na arte (“Deitar na cama da amada/Despertar poeta/Achar a rima que completa o estribilho”). E, sobretudo, na incorporação das causas mais abrangentes da vida das pessoas, como o antirracismo, explícito quando o samba propõe “Fazer um filho, que tal?”: “Um filho com a pele escura/Com formosura/Bem brasileiro, que tal?/Não com dinheiro/Mas a cultura/Que tal uma beleza pura”, em versos que citam a canção ‘Beleza pura’, de Caetano Veloso.
Tanto em 70, como agora, os sambas adotam uma posição evidente contra os governos de turno, e já celebram antecipadamente o seu fim (“Depois de tanta mutreta/Depois de tanta cascata/Depois de tanta derrota/Depois de tanta demência/E uma dor filha da puta, que tal?/Puxar um samba”).
É nessa postura desabridamente política que está, a meu ver, outro fascinante segredo da gênese de ‘Que tal um samba?’ e de seu encanto e importância. Sim, ele foi feito, como vimos, com os dedos, a cabeça e o coração, mas também com o inconsciente, esse “ambiente” tão importante para criação. Ele nem notou, enquanto compunha e gravava, a identidade de seu samba novo com ‘Eu quero um samba’, música consagrada pela gravação de João Gilberto que Chico escolheu para cantar quando, depois de quase 15 anos sem fazer show, voltou a se apresentar ao vivo em 1988. Além da levada parecida no próprio violão de Chico, ‘Que tal um samba?’ e ‘Eu quero um samba’ são versos em cinco sílabas, redondilhas menores, e sugerem a mesma coisa, o samba para superar o tempo ruim.
Aí entram talvez os caprichos do inconsciente e das coincidências: a dupla Janet de Almeida e Haroldo Barbosa também lançou seu samba num mês de junho, só que de 1945. Não, como no caso de Chico, em forma de delicada proposta, ‘Que tal um samba?’, mas de desejo afirmativo, ‘Eu quero um samba’: “Porque no samba eu sei que vou/Me acabar, me virar, me espalhar/A noite inteira até o sol raiar”.
É que em junho de 45, eufóricos enfim com a derrota do nazifascismo depois de seis anos de guerra na Europa, e com a participação do Brasil, Janet, Haroldo e todo o samba brasileiro queriam e tinham mais é que já comemorar: “Vai melancolia/Eu quero alegria dentro do meu coração”, cantaria a plenos pulmões o grupo vocal Os Namorados da Lua, como a festejar a vitória do samba brasileiro sobre o fascismo e já vislumbrando a democracia brasileira que também seria estabelecida no ano seguinte.
Vivemos tempos ainda incertos, duros, pesados, e se Chico é mais cauteloso na proposta – ‘Que tal um samba?’ – já é ousadamente eufórico no samba que compôs para os dias que correm e os que virão. Que estarão ainda de luta, afinal: “De novo com a coluna ereta, que tal?/Juntar os cacos, ir à luta/Manter o rumo e a cadência/Esconjurar a ignorância, que tal/Desmantelar a força bruta”.
Ignorância é força bruta, talvez uma definição de fascismo, certamente do espírito que se apossou do Brasil nos últimos anos, e que agora o samba brasileiro vem esconjurar, desmantelar. Cantando e feliz, no streaming, no teatro, na rua, até o pesadelo acabar.
FICHA TÉCNICA / SINGLE
QUE TAL UM SAMBA?
(Chico Buarque)
Um samba
Que tal um samba?
Puxar um samba, que tal?
Para espantar o tempo feio
Para remediar o estrago
Que tal um trago?
Um desafogo, um devaneio
Um samba pra alegrar o dia
Pra zerar o jogo
Coração pegando fogo
E cabeça fria
Um samba com categoria, com calma
Cair no mar, lavar a alma
Tomar um banho de sal grosso, que tal?
Sair do fundo do poço
Andar de boa
Ver um batuque lá no cais do Valongo
Dançar o jongo lá na Pedra do Sal
Entrar na roda da Gamboa
Fazer um gol de bicicleta
Dar de goleada
Deitar na cama da amada
Despertar poeta
Achar a rima que completa o estribilho
Fazer um filho, que tal?
Pra ver crescer, criar um filho
Num bom lugar, numa cidade legal
Um filho com a pele escura
Com formosura
Bem brasileiro, que tal?
Não com dinheiro
Mas a cultura
Que tal uma beleza pura
No fim da borrasca?
Já depois de criar casca
E perder a ternura
Depois de muita bola fora da meta
De novo com a coluna ereta, que tal?
Juntar os cacos, ir à luta
Manter o rumo e a cadência
Esconjurar a ignorância, que tal?
Desmantelar a força bruta
Então que tal puxar um samba
Puxar um samba legal
Puxar um samba porreta
Depois de tanta mutreta
Depois de tanta cascata
Depois de tanta derrota
Depois de tanta demência
E uma dor filha da puta, que tal?
Puxar um samba
Que tal um samba?
Um samba
Participação especial / Feat Hamilton de Holanda
Voz e violão: Chico Buarque
Bandolim – Hamilton de Holanda
Violão: Luiz Claudio Ramos
Piano – João Rebouças
Baixo – Jorge Helder
Bateria e percussão: Jurim Moreira
Percussão – Thiago da Serrinha
Gravado e mixado no estúdio Biscoito Fino por Lucas Ariel
Masterizado no estúdio Batmasterson por Luiz Tornaghi
Produção musical: Luiz Cláudio Ramos
FICHA TÉCNICA / SHOW
Turnê ‘Que tal um samba?’ – Chico Buarque
Artista Convidada: Mônica Salmaso
Cenário: Daniela Thomas
Iluminação: Maneco Quinderé
Figurinos: Cao Albuquerque
Arranjos, guitarra e violão: Luiz Claudio Ramos
Piano: João Rebouças
Baixo acústico e elétrico: Jorge Helder
Bateria: Jurim Moreira
Percussão: Chico Batera
Teclados e vocais: Bia Paes Leme
Sopros: Marcelo Bernardes
PATROCÍNIO: ICATU
ROTEIRO DA TURNÊ 2022/2023
JOÃO PESSOA – Teatro Pedra do Reino
Dias 06 e 07 de setembro
NATAL – Teatro Riachuelo
Dias 09 e 10 de setembro
CURITIBA – Teatro Guaíra
Dias 23 e 24 de setembro
BELO HORIZONTE – Palácio das Artes
Dias 05, 06, 07 e 08 de outubro
FORTALEZA – Centro de Eventos do Ceará
Dias 22 e 23 de outubro
PORTO ALEGRE – Auditório Araújo Vianna
Dias 03 e 04 de novembro
SALVADOR – Concha Acústica
Dias 11, 12 e 13 de novembro
BRASÍLIA – local a ser anunciado
Dias 29 e 30 de novembro
RECIFE – Teatro Guararapes
Dias 08, 09 e 10 de dezembro
RIO DE JANEIRO – Vivo Rio
De 05 a 15 de janeiro (quinta a domingo)
SÃO PAULO – Tokio Marine Hall
De 02 a 12 de março; de 23 de março a 02 de abril (quinta a domingo)
Agenda
SALVADOR
Local: CONCHA ACÚSTICA DO TEATRO CASTRO ALVES (TCA)
Praça Dois de Julho, s/n, Campo Grande
ESTREIA: 11 de novembro (sexta-feira)
Temporada: 11 a 13 de novembro (sexta a domingo)
Horário: 19h (abertura dos portões – 18h)
Abertura das vendas: 24 de junho (sexta-feira), às 10h
Preços:
Camarote: R$ 480,00 (inteira) / R$ 240,00 (meia)
Plateia: R$ 240,00 (inteira) / R$ 120,00 (meia)
Ingressos em bilheteriavirtual.com.br
– ESTUDANTES: Estudantes do território nacional de instituições públicas ou particulares do ensino infantil, fundamental, médio, superior, especialização, pós-graduação, mestrado, doutorado, supletivo e técnico profissionalizante, seja ensino presencial ou à distância, possuem o benefício da meia-entrada.
– JOVENS DE 15 A 29 ANOS PERTENCENTES A FAMÍLIAS DE BAIXA RENDA: Jovens 15 a 29 anos pertencentes a famílias de baixa renda possuem o benefício de meia-entrada, desde que estejam inscritos, obrigatoriamente, no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CADÚNICO), e cuja renda mensal seja de até 02 (dois) salários mínimos.
Como comprovar: apresentação obrigatória da Carteirinha de Identidade Jovem, emitida pela Secretaria Nacional de Juventude, e o Documento de Identidade oficial com foto, expedido por órgão público e válido em todo território nacional, original ou cópia autenticada.
– PcD – PESSOA COM DEFICIÊNCIA: Pessoas com deficiência (PcD) possuem o benefício da meia-entrada. Se o PcD necessita de auxílio para locomoção, a meia-entrada também se estende ao seu acompanhante, sendo permitido apenas um acompanhante pagando meia-entrada para cada PcD.
Como comprovar: apresentação obrigatória do cartão de Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social da pessoa com deficiência ou de documento emitido pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS que ateste a aposentadoria de acordo com os critérios estabelecidos na Lei Complementar nº 142, de 8 de maio de 2013; em ambos os casos estes documentos devem ser acompanhados de um Documento de Identidade oficial com foto, expedido por órgão público e válido em todo território nacional, original ou cópia autenticada.
– IDOSOS (ADULTOS COM IDADE IGUAL OU SUPERIOR A 60 ANOS): Adultos com idade igual ou superior a 60 anos possuem o benefício da meia-entrada.
Como comprovar: apresentação obrigatória do Documento de Identidade original (RG) ou cópia autenticada.
*Foto: divulgação