Por Seleucia Fontes
Vivenciar uma experiência com povos tradicionais – não apenas um, mas vários povos reunidos no mesmo local. Conhecer suas habitações típicas, seus cânticos e danças, deixar se pintar, adquirir belas peças artesanais. Ao mesmo tempo, sentir a força do Cerrado goiano, com dias de céu claro e forte e noites frias. Participar de palestras e oficinas, fazer trilha até algumas das mais belas cachoeiras e rios da Chapada dos Veadeiros e depois se alimentar com delícias vegetarianas ou típicas de Goiás.
Sim, na Aldeia Multiétnica é possível experimentar muitas emoções e obter aprendizados essenciais sobre convivência e respeito ao próximo em um ambiente onde a natureza e a mão do homem atuam na mesma direção. Em sua 14ª edição, o evento teve início dia 15 e segue até esta sexta, 22, no entorno do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, a cerca de 20 km de Alto Paraíso.
Neste momento em que os direitos indígenas voltaram a sofrer questionamentos preocupantes, em especial quanto a demarcação de suas terras, e após os impactos econômicos e sociais provocados pela pandemia de Covid-19, retomar a Aldeia Multiétnica ganha novos significados. “Todas as tribos são universais em alguns princípios, apesar das diferenças entre os povos nunca houve conflitos em 14 edições da Aldeia Multiétnica”, revela o indigenista e escritor Fernando Schiavini, um dos idealizadores do projeto, iniciado em 2007, e autor do livro O Amanhã é Tribal.
Presenças
Por causa da longa convivência de Schiavini com o povo Krahô, a etnia tocantinense sempre participou do projeto e conta com habitação fixa na área circular, compartilhada também pelos Fulni-ô (PE), Guarani Mbyá (SP/SC), Kayapó/Mebêngôkré (PA), Xavante (MT), e povos do Alto Xingu (MT). Bem no centro fica uma Xapono, casa tradicional Yanomami utilizada como ponto de encontros e apresentações.
A oitava casa da aldeia será inaugurada pelo povo Kariri Xocó (AL/DF), e também estão presentes três representantes do povo Katukina (AC). Há ainda uma casa Kalunga, para lembrar a importância dos remanescentes do maior território quilombola brasileiro.
Ao longo do dia e da noite circulam pesquisadores, estudantes, jornalistas, famílias inteiras, com crianças encantadas diante dos cantos ritmados de cada grupo. Muitos estão na hospedaria local ou acampados, o que dá direito a uma convivência mais próxima com os indígenas. Mas também é possível adquirir ingresso diário, que dá direito a visitar os atrativos naturais pela manhã e a aldeia na sequência.
Cada dia é dedicado a uma etnia. A ordem só foi definida no dia 15, durante reunião das lideranças. Apesar de programação contar com rodas de conversa, oficinas e palestras pré-definidas, cabe às etnias participantes definir a ordem de apresentações culturais diárias. “Entre os indígenas não há votação, tudo é resolvido a partir de discussão, aconselhamento e consenso”, ressalta Fernando Schiavini.
Amiji Kim
O dia dos Krahô, na segunda, 18, começou com o nascer do Sol e os preparativos para a corrida de Tora, uma tradição presente em todas as festas rituais (Amiji Kim) deste povo conhecido pela alegria e pelo importante papel desempenhado na preservação do Cerrado, na terra indígena situada entre os municípios de Itacajá e Goiatins. Os presentes puderam acompanhar as várias fases do Amiji Kim Jàt jõ pi, a Festa da Batata, incluindo brincadeiras com os Hotxuá (palhaços tradicionais).
“Visitar a Aldeia Multiétnica me proporcionou uma experiência inesquecível, repleta de significados que até então eu desconhecia. O convívio com a tradição e os costumes Krahô me mostrou a importância de preservarmos essa bela cultura e sua sabedoria milenar. Em uma palavra: magnífico”, resumiu o jornalista e escritor Valério Azevedo, que participou do evento com o jornalista Beraldo Goulart, para captação de imagens e entrevistas para novo projeto.
“Eu fiquei completamente admirada com toda estrutura da Aldeia Multiétnica. É um evento espetacular e acho de extrema importância essas vivências entre os visitantes e as etnias”, afirma a estudante de Turismo em Palmas, Monique Alves Ferreira. “Acredito que esses encontros ajudam a fortalecer a cultura e a luta dos povos indígenas”, completa.