*Albenísio Fonseca
Salvador, ou a Cidade da Bahia – como costumava ser designada – é mesmo um território dos absurdos.
Como muitos devem recordar, no final de dezembro de 2019, a estrutura de uma antiga construção foi encontrada na praça Castro Alves, durante obras da Prefeitura.
A suspeita maior é de que tal estrutura fosse um chafariz pertencente ao Theatro São João, inaugurado em 1812 e destruído por um incêndio em 1923. Situado onde hoje se encontra a Praça Castro Alves, o teatro foi por mais de 100 anos a principal casa de espetáculos da capital baiana.
O então secretário de Cultura e Turismo, Cláudio Tinôco, em entrevista coletiva realizada no local das obras, em 26 de dezembro daquele ano, afirmou que “a prefeitura não pretende isolar esses achados através de um gradil para que fiquem meramente expostos”, e sim “integrar essa estrutura à requalificação da praça, como um espaço associado às manifestações culturais”.
O intento do ex-secretário, contudo, parece não ter sido combinado com os ‘russos’ da administração municipal, em que pese o achado arqueológico ter toda sua área convertida em inacreditável matagal.
O achado fica exatamente em frente ao local histórico ocupado pelo Theatro São João. Depois convertida em prédio que abrigou órgão da Agricultura e a Federação Baiana de Futebol, a edificação, denominada Palácio dos Esportes, foi recentemente adquirida pelo presidente do Esporte Clube Bahia, Guilherme Bellintani, o publicitário Sidônio Palmeira e o ex-prefeito de Salvador, ACM Neto.
A compra foi efetuada no valor de R$ 9 milhões. O local, conforme se presume, passará a sediar um hotel, visto que a legislação aprovada pela Câmara aprova a implantação de empreendimentos turísticos no local.
A célebre frase de Caetano Veloso, “ainda não é construção e já é ruina” legenda bem mais esse disparate, na velha São Salvador, do que se imaginou fosse razão para um meticuloso trabalho arqueológico.
Ao nos depararmos com este matagal, em pleno coração do Centro Antigo de Salvador e em uma das mais emblemáticas praças da cidade, o que constatamos é a inoperância da gestão do prefeito Bruno Reis.
O descaso administrativo leva de roldão até mesmo a banca de revistas ‘Navio Negreiro’, que existia no local, em homenagem a Castro Alves e ao monumento, de autoria do escultor Pasquale de Chirico, inaugurado em 6 de julho de 1923 – há 100 anos, portanto – a celebrar o poeta e centralizar o logradouro.
Agora, mais de três anos após o anúncio da descoberta arqueológica – do que se presume tenha sido uma fonte ou chafariz pertencente ao Theatro São João – restaria compreender todo o matagal que passou a circundar o local, como a “estupenda finalização” do projeto elaborado pelo Prodetur/Salvador, Secult, Iphan e, intransferível e diretamente, ao ex-secretário Cláudio Tinôco e ao prefeito Bruno Reis. Em tempo, o atual titular da Secult municipal é Pedro Tourinho.
Omissão do Ipac
Conforme Fernando Guerreiro, presidente da Fundação Gregório de Mattos, o abandono do local seria decorrente de “omissão do Ipac”, que não libera a conclusão da intervenção municipal ao se negar a autorizar a construção de um palco no entorno do achado arqueológico, e em frente ao “Palácio dos Esportes”.
Enquanto isso, seguimos a ouvir da plateia do Theatro a vaia que não cessa.
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*Albenísio Fonseca é poeta, compositor e jornalista; Fotos: divulgação.