Duda Tawil, texto e fotos, de Paris
“Alguém cantando longe daqui…” A música de Caetano ressoa com piano e uma voz forte, de repente, no hall do Cinema L´Arlequin, e junta todo mundo. Era a cantora carioca Letrux, antes da projeção do filme “Letrux – Viver é um Frenesi”, de 2022, no último dia do 25° Festival de Cinema Brasileiro de Paris, terça passada. E este mesmo todo mundo logo entra na sala escura para ver o média-metragem de 37 minutos, quase autobiográfico, de Márcio Debellian, também presente.
Saudada na Cidade Luz como uma revelação da nova cena musical brasileira, a cantora e atriz, na telona, mostra a sua vida a partir de um diário, anotações num caderno – “a rede social da época” – e antigos vídeos de família, em São Pedro da Aldeia (“Saint-Pierre du Village”, segundo Debellian, na apresentação), na casa dos avós onde se isolou durante a pandemia, no litoral fluminense. Daquele divertido convívio familiar no passado, crianças, primos adolescentes, churrascos, uma tia virgem, uma prima incrível e inesquecível e muitos parentes, de tantos verões, efêmeros, ao isolamento e às inevitáveis reflexões existenciais daquele seu momento quando deixa a sua Tijuca para viver perto do mar, as imagens finais nos levam ao seu show da volta à cidade grande, ao Circo Voador, como um delírio, o frenesi da apoteose de reencontrar seu público fiel no Rio, a volta à sua vida de artista.
Ontem, no palco da casa de shows para world music e jazz, o Studio de L´Ermitage, no 20° distrito de Paris, a Letrux em carne e osso. Foi o pontapé inicial para uma miniturnê europeia entre França, Portugal (Porto, Coimbra e Lisboa) e Espanha (Madri e Barça), do show de mesmo nome do filme, que está na estrada desde 2017, passou por Salvador também, e que vai se transformando, mesclando músicas autorais de seus álbuns com as de outros compositores. Falante entre todas as músicas, encarnando vários personagens dela mesma, e óbvio cantando muito, eclética e bem-humorada demais, inclusive nas músicas tristes. Ao seu lado somente o músico Arthur Bragante “porque as passagens estão muito caras”, multi-instrumentista nos teclados, violão e percussão, e também nos vocais, que interage com ela o tempo todo, superamigos que são, também da Tijuca.
A casa lotada canta suas músicas em apresentação altamente performática, onde tudo é novidade. Numa das canções, de repente entra no palco Volmir Cordeiro, ator e dançarino franco-brasileiro, que pega ela no colo e…nina com tapinhas no bumbum. É um delírio total. Canta música de Marina Lima, de quem é a maior fã, canta em inglês e em espanhol, toca piano e violão. Um dos momentos mais indizíveis é quando dubla, junto com Arthur, ambos de óculos escuros, Maria Bethânia e Chico Buarque na música “Sem Fantasia”, do grande compositor carioca que no dia 24 deste recebe o Prêmio Camões, no Palácio de Queluz, em Sintra, Portugal. E no final exclama: “Que audácia!”
O show é delírio e delícia a todo instante, olhos todos voltados para esta cantriz bonita, alta e carismática, enigmática, visceral, também compositora e escritora. Frenesi é pouco! E tome-lhe Belchior no repertório, Cazuza e o Barão Vermelho, até aquele trecho de “Águas de Março”, de Tom, no qual imita a voz percussiva de Elis no final, com muita graça. Pra tentar encerrar o show de quase duas horas, que a gente não sente passar, ela desce do palco e dança misturada com o plateia, na dela, na maior simplicidade (o Ermitage retirou todas as mesas e cadeiras). Não adiantou muito, e o jeito foi subir de novo no palco e de fato encerrar, como começou na véspera, no L´Arlequin: “Alguém cantando longe daqui…”
Todas as apresentações europeias serão com o filme num cinema, e o show em outro local. Informações sobre a turnê e muito mais do “Viver é um Frenesi” no Instagram da artista: @leticialetrux.