Por Adriana Setti
Nunca é tarde para estragar o jeitinho rústico de um lugar. Foi com aflição que li a notícia sobre o suposto “maior Réveillon do mundo”, programado para acontecer em Jericoacoara na virada do ano.
O tal John John Rocks Jeri 2019 terá cinco dias de festa com open bar (se-nhôr). Entre as atrações, vão rolar shows das mega blasters pop stars Anitta e Ivete Sangalo (eventos que, por si, já não caberiam em Jeri, na minha modesta opinião). As entradas custam R$ 2 mil para mulheres e R$ 2,4 mil para homens. (Parênteses para um absurdo que só vejo no Brasil: preço diferente segundo o sexo).
Por que vamos (ou íamos) para Jericoacoara? Para caminhar por praias infinitas quase sempre vazias, escutar o barulho do vento (e nada mais), curtir o jeitinho rústico do vilarejo, andar descalça, praticar kite, boiar na lagoa e dançar aquele forrozinho na madrugada. Protegida por um dunas gigantescas que lhe impedem de crescer, Jeri sobreviveu à voracidade do turismo e da especulação imobiliária com relativa dignidade e coerência para os catastróficos parâmetros brasileiros. Mas, claro, nunca é tarde para desconfigurar a alma da cidadezinha cearense com um evento megalomaníaco, elitista e fora de lugar (sem falar da questão da sustentabilidade, que nem deve ter passado pela cabeça dos organizadores ao escolher uma locação tão remota e com infraestrutura precária). Verdade seja dita: a inauguração de um aeroporto em Cruz, próximo a Jijoca de Jericoacoara, já foi um sinal de que os tempos são outros.
*Fonte: Viagem