Uma igreja em Salvador para cada dia do ano. A conta que praticamente virou lenda na Bahia e fora dela já era cantada no verso “365 igrejas a Bahia tem”, por Dorival Caymmi, em 1957, quando lançou o álbum Eu Vou Pra Maracangalha. De lá para cá, a contagem subiu e Salvador tem, pelo menos, 372 igrejas – católicas. Já os terreiros de candomblé eram 1.296 há 12 anos, quando a Fundação Cultural Palmares fez um mapeamento na capital.
Ou seja, Salvador pode até ser vendida aos turistas como a cidade do Carnaval e um destino de praias. Mas vocação também não falta quando o assunto é turismo religioso. Na semana passada, por exemplo, um grupo de 90 gaúchos dedicou um dia inteiro visitando templos religiosos. Foram da Conceição da Praia ao Santuário da Bem-Aventurada Dulce dos Pobres, passando pela Igreja Nossa Senhora do Pilar e pela Paróquia Nossa Senhora dos Alagados e São João Paulo II.
Prova de que um roteiro religioso tem saída por aqui é que a fé é responsável por trazer, todos os anos, cerca de 5 milhões de pessoas à Bahia. O número representa 25% do total de visitantes que chegam ao estado todos os anos por diversos motivos, de acordo com a Secretaria de Turismo do Estado (Setur).
O secretário de Turismo da Bahia, Fausto Franco, afirmou que o estado possui inúmeros atrativos turísticos, mas a religiosidade ajuda a ampliar a capacidade da cadeia turística. “O turismo movido pela fé também leva os visitantes a conhecerem outros atrativos, beneficiando o entorno do destino principal”, disse.
O potencial tem tudo para ser aproveitado também pela capital, inclusive na baixa estação: “Nossa cidade é estruturada sob bases históricas incríveis, voltadas para as religiões de matrizes africana e católica. A Secult, então, tem investido em infraestrutura e requalificações urbanísticas para atrair o turista que vem em busca da rota religiosa”.
Um dos visitantes que aproveitaram o que Salvador tem a oferecer foi o gaúcho Sidney Libardi, que visitou igrejas logo na primeira visita à cidade. De Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, Sidney se encantou com a Paróquia Nossa Senhora dos Alagados e São João Paulo II, no bairro do Uruguai. E olha que a igreja, construída na década de 1980, nem é dos templos seculares, que entram no roteiro de qualquer turista.
A paróquia que chamou tanta atenção fica no bairro do Uruguai e foi construída em apenas três meses, como contou José Lima, o Zezito, 75 anos, membro da Pastoral do Turismo de Fé. “Foram muitos homens trabalhando 24 horas por dia e, em 7 de julho de 1980, a igreja foi inaugurada, com a bênção do papa João Paulo II”, explicou, lembrando a visita do pontífice, que já fez gente do mundo todo ir ao local.
Caminho da Fé
No ano passado, foi criado o Caminho da Fé – uma rota de um quilômetro ligando o Santuário de Irmã Dulce à Basílica do Bonfim. Os dois espaços estão entre os mais visitados por peregrinos em todo o país.
E mesmo que a rota ainda esteja em fase de implantação, segundo a Pastoral do Turismo de Fé (Pastur), o projeto já rendeu frutos: um crescimento de 7% no turismo religioso na capital, de acordo com a Setur.
O secretário de Cultura e Turismo de Salvador, Cláudio Tinoco, afirmou que a cidade ainda não é reconhecida pelo turismo de fé, mas investimentos têm sido feitos. Um dos exemplos é a requalificação da Colina Sagrada e do Terreiro de Jesus, além do centro cultural do Gantois.
As intervenções já foram vistas pelo grupo de visitantes gaúchos, que enfrentaram até a chuva que cai na capital para subir a Colina Sagrada e amarrar a tradicional fitinha nas grades da Basílica.
“O que mais me comoveu foram os passeios relacionados à fé”, declarou a turista Ereniza Marque Antoniolli, também de Caxias do Sul (RS), que pretende voltar muitas vezes a Salvador.
Quem também fez esse passeio foi a fluminense Ludmila Prevot, 28. “Rezei bastante, me emocionei, senti uma energia muito boa e aproveitei para amarrar duas fitas na grade e uma no braço, com aqueles três pedidos”.
Diversidade
Mas, assim como Salvador não é só praia e Carnaval, o turismo de fé na capital baiana também não se resume às igrejas católicas. Conhecida pelo sincretismo religioso e pela força das religiões de matriz africana, há quem venha conhecer os terreiros.
Mãe Carmen de Oxalá, ialorixá do Terreiro do Gantois, explicou que o sincretismo existe porque os negros não podiam cultuar os próprios orixás. No dia de Santa Bárbara, por exemplo, “os negros da senzala faziam o culto a Iansã”.
Quando esteve em Salvador, a carioca Bárbara Soares, 23, fez questão de conferir a Fogueira de Xangô, no Gantois: “Me recomendaram ir de roupa clara, de preferência na cor branca. Eu fui e me emocionei muito, desde a bênção que recebi de Mãe Carmen até o momento da fogueira acesa, com as danças e toda aquela tradição do povo negro e de santo”.
Já a baiana Ana Reis, 56, que nasceu e cresceu em Salvador, mas, atualmente, mora em Portugal, sempre vem participar das Águas de Oxalá, também no Gantois. “Janeiro é um mês especial para mim e eu, sempre que posso, volto para fazer parte do ritual em homenagem a Oxalá”, declarou.
No entanto, cada terreiro, seja de candomblé ou umbanda, tem festas e comemorações em datas específicas. Em dias festivos, costuma ser permitida a participação do público, mesmo de quem não faz parte do terreiro. Além de respeitas as tradições, as pessoas não devem fazer imagens dos rituais e cerimônias, além de sempre optar por roupas de cores claras.
Das ruas de Salvador, a cultura africana e os orixás fazem parte, hoje, da vida de muitas pessoas, seja através do culto, da fé, de leituras, músicas. Segundo Guaraci M. Santos, Sacerdote no Candomblé e mestre em Ciências da Religião, a festa, para o Candomblé, é o momento de interrelação entre os mundos físico e espiritual. Fonte: Correio da Bahia.