Vasco da Gama, tinhas tudo aqui. Praias de sonho, lindas mulheres e mesmo assim não quiseste ficar. É uma tradução livre, mas é a mensagem que se tira de uma das canções populares que os habitantes das Seychelles aprendem desde crianças. O ritmo tem influências africanas, europeias, indianas e polinésias. A batida compassada acompanha o refrão “Vascô, Vascô dá Gamá” e continua no crioulo do arquipélago que é, também ele, uma das grandes provas do que pode ser o sucesso da fusão de culturas. Essa multiculturalidade terá começado com a passagem do navegador português a caminho da Índia (na segunda viagem), em 1502. Foi ele quem identificou pela primeira vez estas ilhas de coral quando atravessava da Índia para África. Chamou-lhes Almirantes e seguiu viagem. Daí o lamento da canção tradicional. E depois de conhecer as Seychelles, será esse também o lamento de cada português.
Os ingleses chegaram em 1609, por acaso, com um navio que perdeu o rumo e foi dar à ilha do Norte, hoje resort privado (que se avista da ilha principal, Mahé) onde William e Kate de Cambridge passaram a lua-de-mel – história contada por cada taxista que encontrámos. Não reclamaram o território e, durante século e meio, só os piratas por aqui ancoraram. Enquanto estes enriqueciam com os navios carregados de fortunas que por aqui passavam, as potências europeias foram tomando conta de outras ilhas da região, como a Maurícia. Em meados do século XVIII, o conjunto de ilhas foi oficialmente reclamado com o nome de Séchelles, em homenagem ao ministro das Finanças do rei Luís XV, Jean Moreau de Séchelles. E em 1770 chegaram os primeiros colonos: 15 brancos, sete escravos e cinco indianos. Diz a história que chegou aos nossos dias que entre eles havia apenas uma mulher.
Veio a Revolução Francesa (1789) e os colonos decidiram que queriam ser independentes da Maurícia e de França. E durante 20 anos assim se mantiveram, abastecendo navios franceses, ingleses e árabes, nomeadamente os que transportavam escravos. Mas como tudo tem um fim, os britânicos chegaram no início do século XIX e quiseram ficar com todo o bolo deste entreposto comercial. Capturaram, libertaram as cargas humanas e estas acabaram por se estabelecer nas Seychelles, contribuindo para a população arco-íris com que hoje nos cruzamos nas ruas de Victoria, tida como a mais pequena capital do mundo. São 26 mil habitantes num total de 90 mil em todo o país.
Mahé é a principal das ilhas e a mais populosa. É o ponto de entrada para o país, com o seu pequeno e funcional aeroporto a pouco mais de meia hora em carro desde Victoria. A zona central da cidade concentra todos os motivos de interesse: o mercado Sir Selwyn Selwyn Clarke, o pequeno Big Ben, o templo hindu e a área comercial. No primeiro está exposta a riqueza destes mares, com peixes de todos os tamanhos e cores. Nas pequenas ruas que levam ao mercado, há comércio variado, seja ambulante seja em estabelecimentos certificados. Este é o coração de Victoria, em especial durante a parte da manhã, e essa é uma lição a aprender para os dias seguintes nas Seychelles: a vida começa cedo e quase termina com o pôr do Sol.
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Em duas horas, de carro alugado (cerca de 60 euros/dia), e ao ritmo aconselhado pelos limites de velocidade, dá-se a volta à ilha. Mas só se conseguirmos resistir às muitas paragens que podem ser feitas nas pequenas aldeias de pescadores e enseadas que se vão encontrando pelo caminho. Anse Royale, na parte sul, e Beau Valon, na costa norte, são boas opções. A primeira é mais silenciosa, na segunda acontece toda a animação. Beau Valon é uma das praias públicas mais bonitas de Mahé. O dia grande é a quarta-feira, quando ao fim da tarde se inicia um mercado que se estende até por volta das 23.00. Comida, bebida e música local com o pé na areia são os condimentos.
Outro ponto de visita obrigatório nesta volta a Mahé é o Jardim Botânico. Não perca a oportunidade de ver bem de perto as tartarugas terrestres, um dos ícones do arquipélago. Em caso de dúvida, evite falar da ousadia do antigo Presidente da República português Mário Soares, que se sentou no dorso de uma quando aqui esteve em visita oficial em novembro de 1995. É totalmente proibido e desadequado.
No início do século XX, as Seychelles tornaram-se oficialmente colónia da Coroa Britânica, mas o interesse de Londres no território foi tão ténue que o francês se manteve como língua oficiosa. E até ao início da II Guerra Mundial todo o país foi dominado por um pequeno grupo de famílias de origem francesa, proprietárias de plantações e para quem trabalhava uma população pobre, que falava crioulo e descendia das primeiras pessoas escravizadas que foram libertadas. São os seus netos e bisnetos, de pele escura e olhos claros, de pele clara e olhos escuros, loiros e morenos, altos e baixos, gordos e magros, que nos recebem hoje nos restaurantes, nas lojas, nos hotéis e nos resorts que se tornaram a base da sustentação económica do país. Sim, são os serviços e a história que se combinam para a receita de sucesso que é o turismo das Seychelles. Conhecido como destino de lua-de-mel, o país é muito mais do que isso. E há mais duas ilhas a prová-lo.
A ligação de Mahé a Praslin, a segunda ilha mais populosa (sete mil pessoas), faz-se numa hora. Praslin é a terra dos cocos de mer, cocos machos e cocos fêmeas originários destas florestas, símbolos do país. As suas imagens estão por todo o lado: fotografias, desenhos ou até no carimbo do passaporte. Ao vivo há poucos locais onde vê-los. Em Mahé no Jardim Botânico e em Praslin na reserva natural de Vallée du Mai. A ilha não desilude. A cada curva do caminho é muito provável que se encontre a praia de sonho de uma vida. Como a Anse Lazio, mar quente, palmeiras até ao areal e as inconfundíveis rochas arredondadas e gigantescas plantadas à beira-mar. E depois não faltam enseadas para snorkeling, carrinhas de fast food onde se compram caixas de caril para comer na praia. Ou peixe assado, acompanhado por uma cerveja fresca.
A 20 minutos de barco está a mais bela praia do mundo, na ilha de La Digue. Quem o diz são as sucessivas classificações de revistas, sites e votações online. Chamam-lhe Anse Source d’Argent e está localizada numa propriedade privada a que só se pode aceder mediante o pagamento de um bilhete que custa à volta de nove euros.
Serão provavelmente os nove euros mais bem investidos da sua vida. Além de permitir entradas e reentradas, o bilhete abre as portas para um sonho. É das praias mais fotografadas do mundo, a ver pela horda de turistas que começa a chegar por volta das dez da manhã. Chegue antes para conseguir um bom lugar e não fique pelas primeiras enseadas, há muitas mais numa distância de dez minutos a pé. Depois, é colocar a máscara e o tubo de snorkeling e deixar as horas passar, nadando entre peixes e cães vadios que pescam o que lhes é possível. La Digue tem cerca de três mil habitantes e meia dúzia de carros.
O transporte mais popular é a bicicleta e tudo está a curta distância. A estrada pavimentada não cobre toda a ilha, por isso há espaço e tempo para caminhadas e pedaladas na natureza. Acima de tudo, nas Seychelles, há tempo para ser feliz. E um cenário que não nos faz pensar noutra coisa senão em Vasco da Gama. Onde é que tu estavas com a cabeça, meu velho? Trocaste o paraíso por um punhado de especiarias.
Em tempo de covid-19
O arquipélago das Seychelles é uma das pequenas nações menos afetadas pela pandemia, com cerca de 40 casos ativos e sem vítimas mortais. Os visitantes internacionais voltaram a ser recebidos a partir de 1 de agosto. Companhias aéreas como a Emirates ou a Ethiad recomeçaram a voar para Mahé, transportando passageiros que devem possuir um teste negativo à covid-19 com, no máximo, 72 horas desde a sua realização. Cerca de cem unidades hoteleiras já estão acreditadas e aprovadas após inspeções que apontam à higienização, ao distanciamento físico e à segurança. *Fonte: Diário de Notícias/PT.
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