Por Lily Menezes
O Pelourinho, com seus casarões seculares e uma riquíssima variedade de equipamentos culturais, é um orgulho para os moradores de Salvador e quase uma parada obrigatória na programação de todo turista que planeja conhecer a cidade. Em dias normais, suas ruas veem passar todo o tipo de gente e escutam uma infinidade de manifestações culturais. Entretanto, a chegada de uma visita indesejada na capital baiana – o novo coronavírus – faz com que a região do Largo até o Terreiro de Jesus, reconhecida pela Unesco como patrimônio cultural e imortalizada pelo “Rei do Pop” Michael Jackson na gravação do seu clipe “They Don’t Care About Us” em 1995 fique com uma cara bem diferente da atual. Com o avanço da pandemia e as necessárias medidas restritivas, o que se vê são ruas completamente vazias e a grande maioria dos estabelecimentos de portas fechadas, já que são poucos os serviços considerados essenciais que funcionam no entorno. Nem mesmo os ambulantes, figurinhas fáceis com seus carrinhos e isopores, são vistos por lá: sem a movimentação habitual, subir e descer as ruas do Pelô é dar “viagem de balde”.
Dificuldades
Ponto de referência para quem anda pelo Pelourinho, a Cantina da Lua continua como uma “heroína da resistência” desde 1945, situada num cantinho do Terreiro de Jesus. Nos poucos meses da fase 3 de retomada da economia, que começou em agosto de 2020 e foi marcada pela reabertura de bares e restaurantes, o estabelecimento capitaneado por Clarindo Silva teve apenas seis funcionários em sua equipe, e pretende manter a mesma quantidade no retorno.
“A situação é muito difícil para nós, pequenos empresários. Não tivemos nenhuma ajuda. Me juntei com alguns amigos, fomos nos organizando”, diz Clarindo, jornalista e empresário dedicado ao bar e restaurante desde 1971. Ele diz ter organizado a casa para cumprir com todos os protocolos de segurança setoriais estabelecidos pela Prefeitura de Salvador, e se mantém atento às novas medidas. Na visão dele, o turismo doméstico foi um respiro para os tempos difíceis.
“O movimento não é o mesmo, não se tem gastado tanto quanto antigamente. O alívio foi o turismo regional. Mineiro, paulista, aqueles que não puderam ou não conseguiram desmarcar a viagem”. Clarindo, que faz parte do grupo de risco para o coronavírus e já tomou a primeira dose da vacina, fez um alerta para a retomada: “A vacina não é um milagre. É um antídoto. Não pode facilitar. Tomei, mas continuo mantendo todos os protocolos. Nós precisamos nos cuidar, a vida é uma só”
Sem ajuda
José Iglesias, presidente da Associação de Empreendedores do Centro Histórico, formada por 56 proprietários, reforça a falta de apoio aos estabelecimentos durante o período da pandemia. “Infelizmente, nenhum tipo de ajuda foi oferecido. Pelo contrário, houve um agravamento dos problemas. Demissão em massa e falta de arrecadação”. Apenas no Cuco, bistrô que comanda no Cruzeiro de São Francisco, Iglesias disse ter demitido 40 funcionários, e calcula uma média de 500 demissões nos empreendimentos da região. Quando à queda no movimento, amplamente vista em diversos setores da economia por todo o Brasil, ele pondera.
“No geral, houve sim, mas em comparação ao restante da cidade, acho que fomos bem melhor. O turista ajuda bastante”. Ele salienta ainda que tem dificuldades com contas de água e luz, cujos valores são acima do que normalmente é cobrado. Com a prorrogação das medidas restritivas, ele não pode abrir as portas: bares e restaurantes só podem funcionar através de entrega em domicílio até a meia-noite ou retirada até as 20h com as portas fechadas ao público. O prefeito de Salvador Bruno Reis estuda uma possibilidade do retorno do comércio não-essencial de forma escalonada, mas sem dizer como isso poderá acontecer.
Especulações
Antes dividida entre o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural do Estado da Bahia (IPAC) e a Secretaria de Cultura do Estado, a administração dos espaços do Pelourinho virou responsabilidade apenas da Secult-BA. Mas o que será feito da área permanece sob especulação. Em janeiro, o governador Rui Costa cogitou a possibilidade de uma Parceria Público-Privada para a revitalização do Pelô, com um aporte de 30 milhões de reais; o edital tem previsão de lançamento ainda no primeiro semestre deste ano, de acordo com a Secretaria da Fazenda. Em março de 2020, a Concretta Engenharia e a Bent chegaram a elaborar projetos habitacionais para o bairro, mas não os apresentaram para o Governo do Estado.
Treze anos atrás, em 2007, a compra de 35 imóveis no entorno do Pelourinho por Luciana Rique, empresária e filha do fundador do Shopping da Bahia (ex-Iguatemi) Newton Rique, causou grande burburinho na comunidade do Santo Antônio Além do Carmo, vizinha ao Pelô. A intenção para dar vida ao largo foi fazer um shopping a céu aberto, mas foi logo descartada por Luciana principalmente com as críticas a uma possível descaracterização da arquitetura do bairro.
*Fonte: Tribuna da Bahia