Startups, fabricantes de automóveis e de aviões prometem inaugurar serviços nos próximos anos. Mas os voos regulares de e para qualquer ponto das cidades é ainda uma ambição dependente da atualização de infraestruturas ou de desempenhos mais rentáveis por parte das empresas.
Apanhar um táxi no telhado de um prédio, sobrevoar a cidade a 140 ou 150 km/hora e pousar no topo de um outro edifício é ainda um delírio da ficção científica. Mas não por muito tempo. As startups alemãs Lilium e Volocopter planeiam ambas inaugurar o seu serviço em 2024. A Hyundai e a General Motors asseguram estar em condições de lançar um serviço de táxi aéreo antes de 2025. Outras marcas de automóveis, como Toyota, Daimler ou Geely da China correm para não serem ultrapassadas. A Porsche e a Boeing, entretanto, uniram-se, em 2019, para desenvolver um veículo “premium” de mobilidade aérea urbana.
O entusiasmo com a possibilidade de novos voos na mobilidade urbana é de tal ordem que esta lista poderia continuar com inúmeras empresas apostadas no desenvolvimento dos chamados veículos elétricos verticais de descolagem e pouso (eVTOL, sigla em inglês). Carros voadores para passageiros, carga não tripulada ou entrega urgente de material médico são sucessivamente apresentados em salões ou feiras internacionais, mostrando que a tecnologia não é mais um obstáculo para ultrapassar a ficção.
Tanto assim é que a Agência de Segurança da Aviação da União Europeia (AESA), já iniciou o processo de certificação de alguns dos projetos, estimando que os primeiros táxis voadores possam começar a operar em 2024. Esse é também o calendário que Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos espera para as primeiras operações dos veículos de mobilidade aérea urbana. Na Europa, a AESA estima que esse mercado valerá 4,2 mil milhões de euros, podendo a UE centralizar 31% da produção mundial e criar cerca de 90 mil empregos até 2030.
O show acrobático dos eVTOL
Mas como serão estes novos veículos que prometem sobrevoar as estradas congestionadas para nos levar até ao escritório ou ao aeroporto? Comecemos, então pela Hyundai que, em 2019, criou uma divisão exclusiva para a mobilidade aérea, liderada pelo ex-engenheiro da NASA Jaiwon Shin. Os seus táxis aéreos, movidos a bateria elétrica, estão projetados para cinco a seis passageiros, mas a marca sul-coreana também espera transportar carga comercial. Acreditando poder desenvolver um ecossistema de serviços em torno dos veículos voadores, a empresa anunciou, no ano passado, uma parceria com a Uber, lançando juntos um modelo apresentado em janeiro no Consumer Electronics Show, em Las Vegas.
Quem já entrou, entretanto, em produção intensa foi a Embraer. A fabricante de aviões comerciais, sediada em São Paulo, recebeu, em inícios de junho, uma encomenda para entregar até 2026 duas centenas de veículos eVTOL à Halo, empresa que fornece serviços aéreos nos EUA e Reino Unido. Do lado da Embraer, o negócio foi fechado pela Eve, spin-off da companhia brasileira criado para desenvolver o carro voador que se quer tornar o líder mundial na indústria de mobilidade aérea urbana. Mas a competição pela liderança, neste setor, é feroz com cada vez mais operadoras a entrarem no mercado.
A britânica Virgin Atlantic é uma delas, que se juntou à Vertical Aerospace, sediada em Bristol, para apresentar este ano a nave VA-X4. Mais silenciosa do que um helicóptero, a aeronave de 15 metros será capaz de transportar quatro passageiros e um piloto a 160 km/hora de e para lugares previamente determinados como, por exemplo, do topo de um edifício em Cambridge para o aeroporto de Heathrow, em Londres. Ao longo deste ano, a Vertical Aerospace está a realizar testes de voos, tendo já estabelecido parcerias com American Airlines e com a empresa de leasing de avionetas, a Avolon, com as quais conta inaugurar o serviço.
A alemã Volocopter, entretanto, surpreendeu a todos quando, em finais de junho, realizou o primeiro voo do seu táxi aéreo no aeroporto de Bourget, em França. O show de 500 metros em três minutos foi especialmente preparado para o Paris Air Forum, mas serviu também para a startup confirmar o seu plano de ter o primeiro serviço operacional pronto para as Olimpíadas de Paris 2024. A aeronave, com algumas semelhanças a um pequeno helicóptero, tem capacidade para dois passageiros, além da bagageira, e faz parte de um pacote mais amplo de serviços que a empresa quer começar a prestar na região da capital francesa.
A Volocopter já está bem avançada no processo de certificação com EASA, sendo até à data o único com Design Organization Approval (DOA) da agência europeia. A sua estratégia passa por criar um ecossistema com várias soluções de mobilidade integradas na plataforma digital VoloIQ – o VoloCity (ligações dentro da cidade), VoloConnect (ligações cidade-subúrbio), VoloDrone (drone de carga), e VoloPorts (locais de descolagem e aterrissagem).
Um autocarro a sobrevoar Los Angeles
Entre dezenas de outras empresas que se atiraram de cabeça nesta aventura, vale a pena mencionar também a startup americana Kelekona. Nem que seja pelo tamanho e pela ambição. Chamar a sua aeronave de táxi é não fazer a mínima ideia do que é ela capaz. Este eVTOL, construído em forma de uma lágrima e com duas asas nas costas, leva 40 passageiros ou, em alternativa, transporta quase cinco mil quilos de carga. O mais apropriado será, portanto, descrevê-lo como um autocarro voador. A empresa assegura no seu site que o aparelho está preparado para viagens até 530 quilómetros, podendo fazer percursos entre Los Angeles e São Francisco em apenas uma hora. Os veículos são alimentados por grandes baterias elétricas, que terão de ser substituídas à chegada de cada viagem para regressar ao ponto de partida.
Todas essas maravilhas da tecnologia, no entanto, terão ainda se submeter aos rígidos testes dos reguladores, cumprindo padrões de segurança, de certificação ou regulamentações locais contra o ruído excessivo. E não é esse o único crivo pelo qual terão ainda de passar. Além de um sistema regulatório e infraestruturas para o ecossistema eVTOL ainda muito incipientes, os especialistas avisam que será preciso criar rotas e serviços competitivos, bem como novas cadeias de fornecimento de peças.
Esses são ainda pontos frágeis para as empresas que desenvolvem modelos de mobilidade aérea. Os fabricantes de veículos voadores não poderão simplesmente recorrer à indústria automóvel, uma vez que, no estádio atual, elas não cumprem os requisitos de qualidade exigidos na engenharia aeroespacial. E o alto custo da manutenção poderá tornar a rentabilidade deste serviço mais difícil. Os encargos operacionais com os eVTOL poderão, por isso, ser superiores ao preço que as operadoras poderão cobrar por passageiro em voos curtos. As aeronaves com emissões zero de descolagem e aterrissagem vertical elétrica para passageiros e carga estão a ser desenvolvidas por inúmeras startups, fabricantes de aviões ou marcas de automóveis, mas há ainda um caminho considerável a percorrer até conseguirem atingir desempenhos lucrativos, advertem os analistas.
Caminhando para pilotos autônomos
Não é isso que tem impedido as operadoras de continuarem a investir nesse mercado, apostando inclusive em graus cada vez mais avançados de automação, embora essa seja ainda uma ambição para voos mais distantes no tempo. A Agência Europeia para a Segurança da Aviação está, neste momento, focada em projetos de veículos pilotados para passageiros e drones não-pilotados para entregas de carga. Os carros voadores totalmente autónomos ainda estão, como tal, a alguns anos de distância.
Apesar de os primeiros eVTOL estarem projetados para serem pilotados, os fabricantes já estão a dotar os veículos com inteligência autónoma, esperando que, a médio ou longo prazo, eles possam ser conduzidos sem intervenção humana. Mas demorará alguns anos para que os reguladores e a sociedade em geral aceitem essa tecnologia. Não se deverá minimizar também a necessidade de a infraestrutura elétrica ter de sofrer ainda inúmeras atualizações para permitir que os veículos voadores aterrem e pousem em qualquer telhado e a qualquer hora. Apesar das dificuldades, uma coisa já parece certa: num futuro mais ou menos longínquo, estaremos a voar para o escritório, deixando pelo caminho as crianças na escola.
*Fonte: Jornal de Notícias/pt