Acidentes de turismo são subnotificados e segurança do setor é a ponta do iceberg

Por Paulo Campos

A queda do paredão de um cânion em Capitólio no início deste mês acendeu o alerta para o turista que deseja estabelecer uma conexão com a natureza. Especialistas destacam que há uma série de cuidados que podem minimizar a possibilidade de acidentes para não transformar a viagem em uma tragédia. Segundo levantamento da ONG Associação Férias Vivas, que cataloga acidentes que ocorrem nas viagens e dá apoio às vítimas, ocorreram 3.960 acidentes no turismo nos últimos 19 anos. Só neste mês, até agora, houve 20 ocorrências. “Os acidentes de turismo são subnotificados. Só temos acesso a uma ponta do iceberg. Não se realiza BO (Boletim de Ocorrência) nem por parte dos viajantes, nem dos prestadores de serviços, porque não existe uma cultura da denúncia”, afirma Aline Bammann, gestora da ONG.

Também não há monitoramento do risco da atividade turística por parte de órgãos governamentais ou de entidades privadas, o que ocasiona a transferência da responsabilidade de acidentes para prestadores de serviços, guias de turismo ou viajantes. Na Suíça existe, por exemplo, o Bureau de Prévention des Accidents (BPA). Em outros países, a responsabilidade é do órgão equivalente ao Ministério do Turismo. Mas no Brasil a pasta não cumpre esse papel, porque, segundo ela, as políticas estão voltadas para o marketing. No país, desde 2002, a ONG Férias Vivas realiza o monitoramento baseado em quatro fontes: publicações nas redes sociais, depoimentos de prestadores de serviço e viajantes, embaixadores (voluntários) espalhados pelo país e registros de viajantes no aplicativo Eu Vivi. A ferramenta facilita o registro do acidente e dá orientação jurídica gratuita e apoio psicológico para vítimas e familiares. O site também é aberto a consultas.

Boia-cross no rio Formoso, em Bonito, destino seguro e sustentável. Foto: Parque Ecológico Rio Formoso/Divulgação

 

Férias Vivas

Atualmente, boa parte dos registros no banco de dados da ONG é de casos fatais, ou seja, com óbitos. Foi a morte de Victória Basile Zacharias, 9, em um passeio de cavalo promovido por um resort em 2002, amplamente noticiada na época, que motivou a mãe da criança, Sílvia Basile, a fundar a ONG Associação Férias Vivas, que trabalha hoje em prol da conscientização do setor sobre a importância da segurança no turismo. “Depois do ocorrido, o capacete passou a ser obrigatório nos passeios”, conta Aline Bammann. Acidentes são, segundo ela, uma combinação de diversos fatores, muitos deles possíveis de serem evitados.

Primeiro é necessário identificar os sinais. “Sinais salvam vidas”, enfatiza Aline. No caso do acidente em Capitólio, os sinais eram os desprendimentos constantes de pedras dos paredões do cânion. Há três anos que a ONG denuncia a situação de Capitólio, como a presença de banhistas nas áreas de lancha – fato que também ocorre em Angra dos Reis (RJ) –, a falta de colete salva-vidas em embarcações e a pouca segurança nos mirantes. O segundo passo é a denúncia: “As pessoas precisam fazer um BO, mesmo em acidentes leves ou moderados. Muita gente não faz denúncia porque acredita que não vai dar em nada ou por falta de informação”, enfatiza Aline.

Hoje, no Brasil, metade do banco de dados da ONG Férias Vivas é de acidentes em turismo de aventura, e a outra metade é quando o turista baixa a guarda e se aventura em uma atividade sem conhecimento. O afogamento está entre os acidentes mais comuns. De acordo com Aline, o risco de acidente em turismo de aventura é menor, porque, já prevendo riscos, muitos prestadores de serviços implementam um sistema de gestão de segurança. “É uma atividade mais controlada”, reconhece a gestora da ONG. A maioria segue as regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), criadas em 2004 e atualizadas constantemente.

Legislação

O Brasil tem atualmente uma das legislações mais avançadas no mundo em relação à segurança no turismo de natureza. São 42 normas técnicas elaboradas, três delas de padrão ISO (internacional), desenvolvidas a partir do programa Aventura Segura, uma parceria entre a Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo (Abeta), o Ministério do Turismo e o Sebrae para os segmentos de ecoturismo e turismo de aventura. “O Brasil é referência inclusive para outros países”, destaca Pollyana Pugas, vice-presidente da Abeta, que reúne cerca de 130 associados. Ela informa que as normas também estão inseridas na Lei Geral do Turismo (LGT), que obriga agências e operadoras de turismo de aventura a implementá-las.

Pollyana recomenda que os turistas contratem sempre empresas formalizadas, que estejam regularizadas no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur), do Ministério do Turismo, pesquisem sobre o destino nas redes sociais, se ele está condizente com as questões de segurança, e as condições climáticas no período de viagem. No caso de passeios de barcos, ela sugere ao usuário verificar as condições da embarcação: se tem coletes salva-vidas, a lotação máxima, se há um plano de emergência e se os guias estão preparados, conhecem bem a região e fornecem todas as informações relativas à segurança.

Acidentes

Nas últimas semanas, além do acidente em Capitólio, outro episódio ocupou a mídia. O guia Pablo Marçal, que se autodenomia coach motivacional, colocou em risco a vida de 32 pessoas ao fazer uma expedição ao pico dos Marins, em São Paulo. Em janeiro de 2020, ao empreenderem um passeio pelo cânion Fortaleza, em Cambará do Sul (RS), duas turistas foram atacadas por um búfalo a metros do penhasco e hospitalizadas. Elas estavam acompanhadas por um condutor no Parque Nacional da Serra Geral. Havia, porém, falta de informação sobre os níveis de segurança da região e despreparo para o resgate das vítimas. “O turista não pode deixar a segurança 100% na mão de um prestador de serviço”, alerta Aline.

Como o ecoturismo virou uma tendência na pandemia, também houve um aumento no número de acidentes. “As pessoas vão à natureza sem nenhuma preparação e consciência”, lamenta Pollyana. Pessoas se arriscam tirando selfies em cachoeiras e pontos críticos, sem nenhuma segurança. Cresceu ainda o número de empresas que se beneficiam dessa “nova janela” de oportunidades no turismo e operam sem nenhuma formalização. A responsabilidade não é só das empresas contratadas, dos guias, mas precisa ser coletiva. O viajante, salienta a vice-presidente da Abeta, também tem uma parcela de responsabilidade.

Corresponsabilidade

“O poder público tem o papel de regulamentar e fiscalizar as atividades; o setor privado, atender a legislação e as normas de segurança e oferecer um serviço de qualidade; o turista, ter a consciência das práticas, dos riscos e dos serviços. Ele também tem responsabilidade pela sua própria segurança. O viajante precisa melhorar sua pesquisa dos destinos antes das viagens”, frisa Pollyana Pugas. “Ter a natureza não significa ter um produto, mas a matéria-prima. É necessário haver infraestrutura, treinamento, planejamento e segurança para que ela se torne produto turístico”, acrescenta Aline Banmann, da ONG Férias Vivas, que cita Bonito (MS) como um destino de boas práticas de ecoturismo e turismo de aventura.

Antes de contratar uma empresa, também é importante verificar se o prestador do serviço oferece seguro para as atividades. Como são de risco presumido, esportes de aventura geralmente precisam de um plano específico. Segundo Pollyana, a Lei Geral do Turismo (LGT) já estabelece que a empresa deve oferecer seguro aos clientes para as atividades. “Este é outro ponto que o cliente deve avaliar na hora de contratar um serviço”, destaca.

Sílvia Balise, à direita, que fundou a ONG Férias Vivaas, com o marido, o filho e um casal de amigos. Foto: ONG Férias Vivas/Divulgação.

 

Bonito

Já eleito 16 vezes como o melhor destino sustentável do país, Bonito implantou em 2014 o Sistema de Gestão de Segurança (SGS) nos principais atrativos. Também desde 2009, muitas de suas atrações são certificadas. O controle dos atrativos é compartilhado entre os diversos órgãos – Ministério Público, Instituto do Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul) e Secretaria Municipal de Turismo, Indústria e Comércio. A metodologia de comercialização do destino é um dos fatores que o tornaram mais seguro e controlado.

Para visitar um atrativo, o turista precisa emitir um voucher em uma das agências de receptivo do município. Desde 1995, as atrações têm limite de visitação e obrigatoriedade de licença ambiental para funcionamento e de acompanhamento de guia. “Em geral, todos os atrativos conhecem e seguem as normas da Lei Geral de Turismo (LGT), mas nem todos são certificados na ABNT”, explica Bruno Leite, gestor do Parque Ecológico Rio Formoso.

O parque oferece o passeio Formoso Adventure, um circuito com flutuação no rio Formoso, tirolesa de 520 m e 23 estações de arvorismo. Há, ainda, outras atividades de aventura no parque, como boia-cross e cavalgada. Neste momento de pandemia, o Rio Formoso opera com 50% da capacidade na baixa temporada e 60% na alta estação. Leite implantou no atrativo um sistema de gestão de risco, certificado pela ABNT, em que diminui a probabilidade de acidentes por meio de um monitoramento constante e diário das atividades.

A cavalgada é um bom exemplo, porque até a alimentação do animal é considerada um fator de risco. “Há uma relação alta entre queda e estresse do cavalo, uma coisa de que a norma também trata”, informa Leite. A norma prevê acompanhamento de médico veterinário, que define a alimentação de cada cavalo. Os animais são conhecidos individualmente, têm um histórico. No boia-cross, ele fez um inventário minucioso de risco para que nada aconteça ao visitante. “Eu tenho que identificar todos os riscos para preveni-los”, enfatiza Leite, afirmando que, avaliando risco versus consequência, diminui-se, e muito, a probabilidade de acidente com controle operacional.

“É bom quando o cliente percebe que tem uma organização por trás do que está fazendo, que há preocupação com a segurança”, afirma. Hoje, além do Rio Formoso, apenas a Nascente Azul, o Rio da Prata, a Estância Mimosa e o Abismo Anhumas são certificados, o que significa, entre outras coisas, que a segurança merece atenção especial por parte dos atrativos. “Em Bonito, acidente é algo raro, mas não quer dizer que não possa acontecer”, destaca.

SERVIÇO

Mais informações nos sites

Abeta: Clique aqui.

Férias Vivas: Conheça o trabalho da ONG, clicando aqui.

Eu Vivi: Aplicativo para registro de ocorrências e denúncia de aidentes de turismo, clique aqui.

Parque Ecológico Rio Formoso: Clique aqui e informe-se sobre os passeios em Bonito.

Bonito: Conheça o destino clicando nos sites da Prefeitura de Bonito e do Visit Bonito.

SAIBA COMO SE PREVENIR DOS ACIDENTES

Turismo náutico 

– Verificar se a embarcação tem colete salva-vidas e qual a lotação, se obedece às regras de segurança, se tem condutores preparados e se atua legalmente;

– Conferir se a empresa tem seguro e plano de emergência;

– Observar as condições meteorológicas.

Trekking ou caminhadas 

– Verificar se há guia acompanhando e se ele tem cadastro no Cadastur, conhece bem a região, leva kit de primeiros socorros e tem preocupação em informar as pessoas sobre segurança;

– Conferir se você está levando água, protetor solar; se está usando boné e calçados adequados à atividade;

– Certificar-se de que você tem informações de todos os riscos da atividade.

Turismo de aventura

– Avaliar se é uma empresa idônea, regularizada;

– Assegurar-se do nível de segurança que oferece aos usuários;

– Observar se tem equipamentos de segurança e as condições desses equipamentos;

– Verificar se segue as normas técnicas da ABNT.

*Fonte: O Tempo

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