Considerado um dos maiores e mais influentes empresários do turismo brasileiro, Guilherme de Jesus Paulus concedeu entrevista exclusiva ao DIÁRIO DO TURISMO, media partner do Portal Turismo Total. Durante cerca de 40 minutos, o Midas (personagem da mitologia grega que fazia virar ouro tudo o que tocava) do setor de hospitalidade no Brasil falou sobre o início de sua trajetória profissional, de como o turismo entrou em sua vida, as maiores dificuldades enfrentadas e seus planos para o futuro. Sim, ele nem pensa em se aposentar.
.Por Roberto Maia – especial para o DIÁRIO
Formado em Administração de Empresas, começou a trabalhar aos 14 anos de idade. Trabalhou em uma loja de zipers, na Philips, na IBM e na Casa Faro Turismo. Fundou a CVC em 1972 e transformou a pequena agência de Santo André (SP) em uma das maiores operadoras de viagens do mundo. Em 2005, criou a GJP Hotels & Resorts, formada pelas bandeiras Wish, Prodigy, Linx e Marupiara, com 10 hotéis próprios, mais de 3 mil apartamentos e centros de eventos, e cerca de 3,4 mil funcionários, rede que transformou em uma das cinco maiores entre os grupos de capital nacional no segmento de lazer. Mas para conectar tudo isso faltava uma companhia aérea. Assim, em 2006 adquiriu a Webjet, que tinha apenas dois aviões. Usando a força da CVC e o seu toque de Midas, não demorou muito transformar a empresa que chegou a ter 26 aeronaves e incomodar muito as grandes TAM e GOL.
Do mesmo jeito que Guilherme Paulus tem faro para bons negócios, e parceria com seu filho Gustavo Paulus, também percebe o momento exato para vender seus empreendimentos. Foi assim que surpreendeu o mercado em 2010 ao aceitar proposta do fundo Carlyle, que adquiriu 63,6% do capital da CVC. No ano seguinte, também vendeu a Webjet para a GOL. E, no início de 2021, vendeu a GJP para o fundo de private equity da R. Capital.
Paralelamente aos negócios, Guilherme Paulus também é membro do Conselho Nacional do Turismo e já atuou no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do Governo Federal. Atualmente, integra o Conselho Consultivo do Visite São Paulo – São Paulo Convention & Visitors Bureau; e ocupa, desde 2007, a cadeira nº 14 da Academia Brasileira de Eventos e Turismo. A seguir, a entrevista completa:
Quais foram seus maiores desafios durante os anos em que ficou à frente da CVC?
Em 1976 eu quase fechei a CVC por causa do depósito compulsório instituído pelo governo federal para as viagens internacionais, quando era preciso depositar mil dólares no Banco Central. Eu trabalhava muito com conta corrente de empresas. Não existia ainda muito turismo de lazer. Depois teve uma época em que as grandes empresas de turismo como a Soletur começaram a quebrar. Aprendi com o doutor Mário (Faro) e também com o Cerchiari a nunca colocar todos os ovos em uma mesma cesta porque se quebrar e cair você perde tudo. Por isso sempre mantive operações nacionais e internacionais, sendo 60% no nacional e 40% no internacional dependendo da alta temporada no Brasil e no exterior. Sempre trabalhamos Europa (pacotes rodoviários), Bariloche, Miami, Aruba, Cancún. Chegamos a ter cinco voos semanais para Cancún. Por isso a CVC trabalhou com uma programação e procurando chegar na frente da concorrência.
O senhor ainda mantém uma participação acionária na CVC?
Não tenho participação nenhuma atualmente. Vendi já fazem três anos e meio. Fiquei ainda dez anos na presidência do Conselho da CVC. Mas chega uma hora que você tem que dizer chega, acabou.
Como foi a venda para o grupo Carlyle?
Na época a CVC tinha 384 lojas. Tentei abrir o capital, mas não deu certo por causa da crise na Europa e nos Estados Unidos também. Foi quando eu dei uma entrevista para a Bloomberg e a repórter me perguntou se eu estava preparado ou tinha o interesse de fazer o IPO da companhia. Eu respondi que sim. Deu no que deu e apareceu a Carlyle com uma proposta de compra. Eu, Valter (Patriani) e o Salvador (Guardino Neto) fizemos um plano para em cinco anos abrir o capital da empresa. A Carlyle veio comprou e transformou a CVC em cinco anos e meio, passando para 1,3 mil lojas. Foi um sucesso estrondoso a abertura de capital.
Como foi a sua experiência como dono de uma companhia aérea – a Webjet – até ser vendida para a GOL?
Foi excelente. Naquela época a CVC tinha 110 voos fretados com a TAM por semana. O comandante Rolin Amaro – então proprietário da companhia aérea – estava para comprar a Varig e me ofereceu os Fokker 100 da empresa. Com o falecimento do comandante tudo poderia mudar. Foi quando apareceu a compra da Webjet com apenas dois aviões. Quando vendi a empresa para a GOL ela tinha 26 aviões.
Com uma crise mundial, meu filho que administrava a Webjet, alertou sobre os contratos de leasing indexados ao dólar, bem como o principal insumo, o combustível, além de que a própria concorrência da Latam, GOL e Azul era predatória. Na época já éramos a terceira companhia aérea do país e já em busca do segundo lugar. Aí resolvemos sair e dedicar mais tempo à CVC.
Em 2005 o senhor fundou a GJP Hotels & Resorts, que administrava hotéis com as bandeiras Wish, Prodigy, Linx e Marupiara. Com 10 hotéis próprios, mais de 3 mil apartamentos e centros de eventos, a rede se transformou em uma das cinco maiores entre os grupos de capital nacional no segmento de lazer. A pandemia foi fator determinante para a venda da GJP ou foi uma oportunidade de mercado?
Evidentemente. Com 10 hotéis, mais de 3 quartos, mais de 3,4 mil funcionários imagina prejuízo durante quase dois anos. Em 2019, tínhamos quase 70% de ocupação. Na pandemia a ocupação caiu para 18%. Acumulamos uma dívida grande. Tivemos ajuda do governo, mas muito fracas. A venda foi um negócio fabuloso. Meu filho me disse, desculpem a expressão, que eu nasci virado para a lua (risos). Não posso reclamar. Deus me ajudou sempre. Me iluminou para conseguir tudo isso.
O senhor fez questão de manter o Castelo Saint Andrews, hotel de luxo na cidade gaúcha de Gramado, e o residencial Village Iguaçu Golf Residence, em Foz do Iguaçu. Por que?
Vamos completar 12 anos com o Castelo Saint Andrews. Transformei o imóvel em um hotel. Fiz um tour pela Escócia nos anos 2000 e vi casas antigas reformadas e transformadas em hotéis da Relais & Châteaux – associação de hotéis e restaurantes de luxo de propriedade e administração individual. Apareceu a oportunidade de comprar essa casa lá em Gramado, dentro de um condomínio e visão de transformar o Castelo em um hotel de charme e luxo com linda vista maravilhosa para as montanhas do Vale dos Quilombos. Na pandemia recebemos muitos brasileiros que não conheciam o que era serviço de hotelaria de luxo com experiências gastronômicas, concierge, mordomo, adega, cigar lounge, piqueniques no jardim. Acho que somos o único hotel que tem 54 eventos todos os sábados, quando realizamos jantares harmonizados com os melhores vinhos do mundo e uma comida é extraordinária. Primeira fase tinha 11 apartamentos. Depois adquiri uma pousada ao lado com oito apartamentos. Agora construí uma casa de férias com 500 metros quadrados, muito confortável e alto luxo. São três quartos, salas de estar e de jantar. Os hóspedes dispõem de serviços de mordomo e camareiras.
Já o Village Iguaçu Golf Residence é um condomínio de alto luxo com campo de golfe. Ele tem 119 lotes e é o melhor condomínio do Oeste do Paraná. São casas maravilhosas e até com serviço de hotelaria do hotel 5 estrelas Wish Resort Golf & Convention Foz do Iguaçu se o proprietário da casa quiser. É a tendência.
O senhor agora está focando na aquisição de hotéis butiques e propriedades que possam se tornar destinos para o enoturismo?
Sempre olho com muito carinho esse segmento. Estou estudando o enoturismo. Aproveitando a adega do Castelo Saint Andrews nós criamos as visitas às vinícolas. Somente no Rio Grande do Sul são 170, em São Paulo existem mais de 30. Há, também, em Minas Gerais e no Cone Sul (Uruguai, Argentina e Chile), além dos principais produtores europeus e Napa Valey, nos Estados Unidos.
Embora a pandemia do coronavírus ainda não tenha terminado, o turismo já vive uma retomada. Como o senhor enxerga esse momento e quais as maiores dificuldades que os empresários do setor estão encontrando?
A pandemia do covid-19 apertou muito e a expectativa foi muito grande. No final de novembro de 2019 recebi uma carta de uma empresa de seguro falando que a pandemia chegaria no Brasil e que as pessoas ficariam isoladas em casa. Disseram também que a tecnologia ganharia relevância, principalmente a internet, as redes sociais e o trabalho em home office. As viagens mais curtas também virariam tendência. Comprei essa ideia e comecei a pensar. Eu sabia que as viagens seriam retomadas em algum momento. Atualmente estamos com 80% da população brasileira vacinada. Todo mundo começa a viajar para o exterior e também aqui internamente no Brasil. O turismo começa novamente a se desenvolver. Mas temos que continuar a tomar todas as precauções. Eu, mesmo tomando três doses de vacina peguei covid em janeiro, mas graças a Deus me recuperei bem.
Fale sobre sua atuação no Conselho Nacional de Turismo. O governo federal poderia fazer mais pelo turismo no país?
Integro o Conselho Nacional de Turismo desde o governo Lula com o ministro Walfrido dos Mares Guia. É complicado porque não existe continuidade do trabalho. Tivemos bons ministros do Turismo que fizeram excelentes trabalhos. Trabalhamos com secretários estaduais e também municipais.
No seu entender, qual deve ser o papel do governo na promoção do Brasil como destino de turismo internacional?
O governo se esforça com campanhas da Embratur e do próprio Ministério do Turismo, mas o trabalho tem que ser feito junto aos operadores internacionais para atrair as companhias aéreas internacionais. Também é importante termos uma empresa aérea nacional forte como tínhamos a Varig. Poderia ser a GOL essa empresa, ela tem estrutura para isso. Hoje Rio de Janeiro, Foz do Iguaçu, São Paulo são destinos fortes internacionalmente. Temos que aproveitar para desenvolver o turismo e atrair turistas internacionais. Mas, se não tiver voos não adianta nada. Temos que ter o principal insumo que é trazer e levar as pessoas. Não adianta gastar dinheiro para dizer que o Brasil é lindo. Isso o mundo já sabe.
O turismo tem que ser profissionalizado. Já falei muito sobre isso no Ministério. Tirando alguns estados brasileiros que sabem trabalhar muito bem, o restante não acompanha. Enquanto formos amadores teremos voo de galinha. Precisamos melhorara a qualidade e valorizar os formandos e bacharéis de turismo. Precisamos valorizar os especialistas em turismo. Os secretários estaduais e municipais de turismo normalmente são políticos. O cara ganha uma eleição de vereador e vira secretário municipal. Ou aliados e empresários que ajudam na campanha do prefeito ganham secretarias. Que nossos governantes saibam escolher e valorizem o turismo, afinal o setor movimenta 52 setores da economia. Nossos museus, por exemplo, estão completamente abandonados. Precisamos cuidar das cidades porque somente assim conseguiremos crescer.
Para finalizar, como o senhor, um dos mais influentes nomes do turismo nacional, analisa o futuro do setor?
Hoje temos privatização de aeroportos. Precisamos ter mais aeroportos privados e regionais também. Precisamos atrair mais empresários e grandes empresas aéreas. Hoje a Latam é uma das principais companhias aéreas da América Latina, a GOL comprou uma empresa da Colômbia, e a Azul realiza um trabalho extraordinário. Mas elas precisam de fôlego e de espaço para poderem crescer. Governos estaduais precisam diminuir impostos. Nos Estados Unidos existem subsídios para as companhias aéreas porque são elas que trazem o desenvolvimento do país. Precisamos ter planejamento e boas rodovias. Senão você cresce como destino turístico, mas não tem como chegar e nem como sair por causa de grandes congestionamentos. Atualmente, destinos como Gramado e outros estão sofrendo muito nos finais de semana com a superpopulação turística. Necessitamos de planejamento e infraestrutura dos governos e prefeituras. Temos que olhar com muito carinho para o turismo, pois ele gera emprego e renda muito rápido. E os agentes de viagens são os provedores disso tudo.