O conhecido muralista brasileiro Eduardo Kobra faz uma exposição até 9 de setembro no hall da Assembleia Geral das Nações Unidas, com 11 telas que mostram alguns de seus murais, além de obras inéditas. O artista urbano foi convidado pela Missão Brasil na ONU. No local, estão situadas as telas “Guerra” e “Paz”, do pintor brasileiro Cândido Portinari (1903-1962), doadas pelo Brasil à ONU e inauguradas em 6 de setembro de 1956. Ao lado de cada obra de Eduardo Kobra há uma placa com informações.
Neste dia 7, em que se comemorou o Bicentenário da Independência do País, houve, das 18h às 21h, um coquetel oferecido pela Eden Gallery, quando o artista falou sobre as obras e sua trajetória. A exposição, que começou dia 25 de agosto, pode ser visitada apenas por agentes e funcionários da ONU. Depois, Kobra planeja levá-la a diferentes países, mas ainda não há nada definido.
“É uma honra mostrar meus trabalhos na ONU. Escolhi murais e telas que têm conexão com a paz, a solidariedade, o desarmamento, a tolerância, o respeito e a diversidade”, afirma o artista, que acrescenta: “É também uma honra expor minhas telas no local onde estão essas duas imensas e maravilhosas obras de Portinari, desde sempre uma das minhas grandes referências e paixões”.
Veja textos das 11 telas em esposição:
Coexistência (1,8 m x 1,2 m) – Estamos vencendo juntos mais um momento de crise. A Covid-19 ainda está presente, mas os números de mortes estão finalmente caindo. A esperança venceu. Independentemente da nossa localização geográfica, de nossa etnia e de nossa religião, estamos unidos em uma mesma oração: que Deus inspire os cientistas para que encontrem a solução para esta pandemia e conforte nossos corações para que tenhamos forças e sigamos juntos como humanidade. Esta obra, 196m², foi pintada há cerca de dois anos no bairro de Pinheiros, em São Paulo. É um local importante para a trajetória profissional do Kobra, que desde o começo de sua carreira fez mais de 15 obras ali. É um exemplo de como a arte de rua se transforma.
I Have a Dream (1,8 m x 1,2 m) – Em 28 de agosto de 1963, o ativista norte-americano Martin Luther King (1929-1968) fez um histórico discurso para 200 mil pessoas em Washington, capital dos Estados Unidos. “Eu tenho um sonho”, dizia ele. Ao falar da necessidade de união e harmonia entre brancos e negros, Luther King deu um importante passo na luta pelo reconhecimento dos direitos civis dos afro-americanos. Kobra pintou o mural em Palm Beach, Estados Unidos, em 2007, com 270 metros quadrados.
Tolerância (1,7 m x 1,3 m) – Madre Teresa de Calcutá (1910-1997) e Mahatma Gandhi (1869-1948) foram dois grandes religiosos pacifistas que dedicaram a vida à Índia em épocas diferentes do século 20. De um lado, uma líder católica. Do outro, um líder hindu que pregava a não-agressão e a não- violência. Kobra fez o mural em 2018, em Nova York. Retratá-los, frente a frente, é um exercício de fé na humanidade. É acreditar que as diferentes religiões não devem representar uma barreira, mas sim uma ponte – já que o objetivo é comum.
OriCUNmiv (1,8 m x 1,2 m) – Quantas vidas perdemos por causa do dinheiro? Quantas crianças, pais, mães e pessoas queridas morreram em decorrência da indústria das armas? Em um país em que o porte de armas é uma discussão frequente, Kobra ilustra nessa tela feita em 2016, sua visão pacifista ao expor como a ganância custa a vida do próximo.
Man On The Moon (1,44 m x 1,2 m) – Como disse Neil Armstrong em 1969, a conquista da Lua foi um grande passo para a humanidade. Mas ainda precisamos dar um passo maior ainda em direção à conquista da paz. Nessa releitura de um momento histórico, Kobra usa a pomba para representar essa necessidade de união. Em escala universal.
Liberty (1,8 m x 1,2 m) – Um dos mais conhecidos monumentos em todo o mundo, a Estátua da Liberdade passa um recado claro: os Estados Unidos, como terra da liberdade, devem acolher todos os imigrantes. A releitura feita no Soho, Nova York, em 2018, com 150,4 metros quadrados, é uma referência à crise imigratória mundial e ao fato de que os Estados Unidos são uma peça-chave nessa discussão. Para Kobra, os valores de liberdade e fraternidade devem persistir, acima de qualquer discurso de xenofobia ou guerras.
Gun Man (1,8 m x 1,2 m) – Kobra é um grande admirador do pintor Pablo Picasso (1881-1973). Mas ao propor uma releitura de icônica fotografia do artista, decidiu incluir uma crítica: deu um nó na ponta da arma carregada por ele. Isto porque, em seu entendimento, ao longo da história a arte também serviu para enaltecer com portamentos socialmente incorretos, glamourizando o envolvimento em crimes e enaltecendo o uso de drogas e uma vida desregrada. Ao dar um nó na arma de Picasso, Kobra então procurou alertar: esse tipo de postura não fica bem. Para o artista brasileiro, a arte é um veículo de transformação social.
The Braves of 9/11 (1,8 m x 1,2 m) – Onze de setembro de 2001 se tornou uma triste data na história da humanidade. Esta obra, mural feito em 2018, em Nova York, com 255 metros quadrados, representa todos que se foram e a coragem dos homens e mulheres que, trabalhando no resgate, deram suas vidas ou emprestaram suas saúdes física e mental para tentar remendar as cicatrizes deixadas pelo atentado. O retratado é Mike Bellatoni – um dos tantos heróis que sobreviveram ao fatídico dia. A bandeira americana foi estilizada por Kobra: as faixas brancas aludem às Torres Gêmeas, enquanto as estrelas no chão simbolizam os mortos da tragédia.
The Girl And The Tank (1,44 m x 1,2 m) – Infelizmente, o ser humano não aprendeu como fazer um cessar-fogo definitivo, global e total. Guerras continuam ocorrendo e a violência parece cada vez mais transcender os limites da própria imaginação. Mas a criança conserva sua pureza – e, sim, a imaginação lúdica permanente. Aqui Kobra retratou um tanque de guerra abandonado que, encontrado pela criança, em sua inocência e simplicidade, acabou reinventado como um simples e divertido brinquedo: um balanço de parquinho.
União (1,44 m x 1,2 m) – O símbolo mais famoso da paz é aqui usado como base para pedir a união entre as pessoas e o combate ao racismo.
The Regugee’s Scream (1,44 m x 1,2 m) – Em um mundo constantemente abalado por conflitos de diversas naturezas, essa imagem resume de forma simples e impactante uma das principais causas defendidas por Kobra. De acordo com a ONU, atualmente temos mais de 26 milhões de refugiados no mundo: o maior número da história. São pessoas que precisaram abandonar seu país, suas famílias, suas vidas por conta de guerras, perseguições e violências. E, muitas vezes, não encontram acolhimento digno. Por isso, O Grito’ do século 21 é deles. Esta tela é releitura da famosa obra feita em 1893 por Edvard Munch.
Sobre Eduardo Kobra
Kobra, 47 anos, é um expoente da neo-vanguarda paulistana. Começou como pichador, tornou-se grafiteiro e hoje se define como muralista. Seu talento brota por volta de 1987, no bairro do Campo Limpo com o pixo e o graffiti, caros ao movimento Hip Hop, e se espalha pela cidade e pelo mundo. Com os desdobramentos que a arte urbana ganhou em São Paulo, ele derivou – com o Studio Kobra, criado em 95 – para um muralismo original – inspirado em muitos artistas, especialmente os pintores mexicanos e norte-americanos, beneficiando-se das características de artista experimentador, bom desenhista e hábil pintor realista. Suas criações são ricas em detalhes, que mesclam realidade e um certo “transformismo” grafiteiro.
Muitos críticos afirmam que a característica mais marcante de Kobra é o domínio do desenho e das cores. Mas o que é fundamental para o artista é o olhar. Kobra foi desde cedo apresentado às adversidades da vida. Viu amigos sucumbirem às drogas e à criminalidade. Alguns foram presos. Outros perderam a vida. Foi o olhar que o salvou.
Kobra é autor de projetos como “Muro das Memórias”, em que busca transformar a paisagem urbana através da arte e resgatar a memória da cidade; Greenpincel, onde mostra (ou denuncia) imagens fortes de matança de animais e destruição da natureza; e “Olhares da Paz”, onde pinta figuras icônicas que se destacaram na temática da paz e na produção artística, como Nelson Mandela, Anne Frank, Madre Teresa de Calcutá, Dalai Lama, Mahatma Gandhi, Martin Luther King, John Lennon, Malala Yousafzai, Maya Plisetskaya, Salvador Dali e Frida Kahlo. Em meio ao caos urbano, buscou resgatar o patrimônio histórico que se perdeu. Em um contexto repleto de desigualdade social e injustiças, buscou se inspirar em personagens e cenas que servem de exemplo para um mundo melhor.
Hoje, os murais de Kobra estão em cerca de 35 países e em diversas cidades e estados brasileiros – como “Etnias – Todos Somos Um”, no Rio de Janeiro, “Oscar Niemeyer”, em São Paulo; “The Times They Are A-Changin” (sobre Bob Dylan), em Minneapolis; “Let me be Myself” (sobre Anne Frank), em Amsterdã; “A Bailarina” (Maya Plisetskaia), em Moscou; “Fight For Street Art” Basquiat e Andy Warhol), em Nova York; e “David”, nas montanhas de Carrara. Em todos os trabalhos, o artista busca democratizar a arte e transformar as ruas, avenidas, estradas e até montanhas em galerias a céu aberto. Inquieto, estudioso e autodidata, também faz pesquisas com materiais reciclados e novas tecnologias, como a pintura em 3D sobre pavimentos. Em 2018, pintou 20 murais nos Estados Unidos, 18 deles em Nova York.
Cada vez mais conhecido, Kobra fica, é claro, orgulhoso quando vê uma multidão que observa um de seus murais, mas costuma dizer que o que o comove de verdade é descobrir alguém que para no meio da correria da cidade para observar, mesmo que por um minuto, os detalhes dessa obra. Apesar dos murais monumentais, Eduardo Kobra faz sua arte para despertar a consciência e a sensibilidade de cada um de nós.