Por Bruno Santana*
A partir desta quinta, primeiro dia de dezembro, as salas de cinema de Salvador serão tomadas por cenários que, infelizmente, não são muito comuns nas telonas da cidade: os da própria Bahia. Isso porque chega ao circuito comercial nesta quinta-feira a comédia Na Rédea Curta, novo filme dos diretores Glenda Nicácio e Ary Rosa e baseado na websérie humorística de mesmo nome, que já conta mais de 400 mil inscritos no YouTube.
Os atores baianos Sulivã Bispo e Thiago Almasy, criadores do projeto, estrelam também o longa-metragem, que expande a história da websérie com uma narrativa mais ambiciosa — Bispo e Almasy assinam o roteiro junto com os diretores, além de Camila Gregório e Tidi Eglantine. Além da dupla de protagonistas, a produção tem participação especial dos atores Zezé Motta e Jackson Costa, bem como uma participação especial da jornalista Rita Batista.
No filme, Júnior (Almasy) descobre que vai ser pai e, para entender os mistérios e as responsabilidades da paternidade, vai atrás do seu próprio progenitor, que nunca conheceu. A partir daí, inicia-se uma aventura pelo Recôncavo Baiano, na qual Júnior e sua mãe, chamada simplesmente de Mainha (Bispo), exploram a cidade de Cachoeira para encontrar o pai do jovem e, no processo, acabam estreitando ainda mais os próprios laços.
Mesmo com uma boa dose de afeto, a comédia escrachada segue sendo a tônica principal de Na Rédea Curta em sua versão cinematográfica, o que representou um novo horizonte para os diretores. Trata-se, com efeito, da primeira incursão plenamente humorística de Glenda e Ary, cineastas que conquistaram fama nacional em 2017 com o drama Café com Canela — também rodado em Cachoeira e vencedor do prêmio de Melhor Filme (pelo júri popular) no Festival de Brasília daquele ano.
“Eu estava despretensiosamente assistindo ao YouTube, cheguei em Na Rédea Curta e achei um barato, dei muita risada”, conta Ary sobre seu primeiro contato com o projeto.
Ele relata que apresentou a websérie a Glenda, sua colega de direção, e os dois começaram a desenvolver ideias sobre como transformar o humorístico em um longa-metragem. “Seria uma forma de ampliar a experiência que estávamos vivendo com Café com Canela, um filme que conseguiu dialogar com o público, com a genialidade da construção das personagens [de Na Rédea Curta], que são muito ricas. […] Acho que o filme nasce desse olhar muito cuidadoso, muito carinhoso, divertido que tanto eles [Bispo e Almasy], quanto nós temos com o território e o povo baiano”, segue Ary.
Glenda concorda, ressaltando os desafios na produção do filme. “Foi nosso primeiro projeto que não nasceu com a gente, e foi muito gostoso aprender a amar e se encantar por personagens de fora. Houve um processo de grande generosidade nessa ciranda entre a direção e os criadores”, celebra a cineasta.
“O roteiro foi escrito a muitas mãos, e toda vez que a gente acabava de escrever, fazia a leitura e se acabava de dar risada. […] Eu acho que Na Rédea Curta é muito gostoso porque ele é popular e sofisticado ao mesmo tempo, é um filme que chama todo mundo para conversar e dar risada, um humor que ri olhando para o momento que o Brasil está passando hoje. E que chama as famílias negras para rirem com os dialetos, com situações que são universais, mas que no ponto de vista negro tomam uma outra proporção”, completa Glenda.
Das telinhas às telonas
Sulivã e Thiago, criadores de Na Rédea Curta e protagonistas/roteiristas do filme, também não escondem o orgulho de levar sua criação para as telas grandes e de retratar, numa produção 100% baiana, a beleza e a graça das famílias matriarcais. “Minha família é muito matriarcal, a de Sulivã também, a da minha esposa, dos meus vizinhos, então a gente sempre quis botar essa mulher, Mainha, como a última voz”, explica Thiago.
“Então esse é o grande conflito geracional dos personagens: Mainha é a Bahia antiga, que precisou ralar muito para poder ter o mínimo, e Júnior é essa Bahia moderna, essa geração de jovens que está tentando se encontrar no mundo porque não precisou passar pelas mesmas dificuldades”, resume o ator.
Sulivã, intérprete de Mainha, concorda e faz o resgate da sua própria história para construir a figura. “Mainha é um personagem pautado nas minhas memórias”, conta o ator, que relata ter sido criado no entorno de uma série de mulheres negras e fortes e revela o desejo de transmitir essa força no filme. “A gente precisa falar dessa maternidade preta porque é muito raro você ver personagens matriarcais negras no humor de uma forma positiva, nosso humor está muito pautado na chacota, na ridicularização. […] Então existe aí um encantamento muito plural das mulheres que me criaram, e essa é uma construção muito pautada nas minhas memórias”, explica.
Luz, câmera, Lapinha
A equipe de Na Rédea Curta comemora também a experiência de gravar um longa-metragem em Salvador e Cachoeira, inserindo as comunidades no processo de filmagem. “A websérie se passa toda na Lapinha, e uma coisa muito bonita de perceber foi como o entorno se comportou para o filme”, afirma Thiago. “Vizinhos fazendo figuração, a gente pedia que eles desligassem o som ou tirassem os carros e isso nunca foi um problema. Eles tinham até orgulho, porque se sentiam parte dessa história”, rememora.
A maior parte da ação do filme, entretanto, se passa em Cachoeira, cidade na qual Ary e Glenda vivem já há mais de uma década — os dois se conheceram no curso de audiovisual da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) — e onde se passam todas as histórias da dupla. “Já era uma vontade deles [Thiago e Sulivã] fazer um filme de viagem, e a gente tinha que gravar em Cachoeira, porque a gente não sabia gravar direito em outro lugar”, brinca Ary. “Nós achamos muito importante trazer, através de Mainha e Júnior, um pouco dessa metáfora do nosso trabalho que é o deslocamento das capitais para o interior, trazer um pouco dessas narrativas de outros lugares”, finaliza o diretor.
Com distribuição da Elo Studios, Na Rédea Curta chegará aos cinemas da Bahia amanhã — no mesmo dia, estão previstos lançamentos nos circuitos de estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e Ceará. “Vai ser bom nesse momento poder ir pra sala de cinema junto, dar risada e se emocionar juntos. Acho que Na Rédea Curta é um filme que volta para casa com a gente, que precisa ser visto e abraçado”, completa Glenda.
- Fonte: Portal A Tarde, sob supervisão do editor Chico Castro Jr.