Por Doris Pinheiro
O Salão Chile do Palacete Tira-Chapéu abriga até 08 de abril, a exposição, trabalho realizado pelo artista visual Floro Freire, utilizando como base fotografias do século XIX e início do XX”. Cada painel reproduz de forma delicada e em cores as grandes tomadas feitas pelos mais importantes fotógrafos da segunda metade dos anos de 1800, como Mulock, Lindedemann, Ferrez, Gaensly e Gonçalves. Em uma das obras, originalmente “’Vue de Bahia, de Victor Frond, Photog Aubrun lith. / Imp. Lemercier, Paris, década de 1850”, temos a Cidade Baixa, antiga zona Comercial, com dezenas de casarios exibindo o traçado com influência lusa em terras baianas.
Prédios de três, quatro e até cinco pavimentos erguiam-se de frente ao mar ou se equilibravam entre as ladeiras e vielas da cidade. Em alvenaria de pedra com armações em madeira. Cada um desses prédios era um mundo onde comércios, moradias e cortiços davam o toque de uma das maiores cidades da América. O painel é apresentado colorido por Fleire, com base em uma detalhada pesquisa.
Assinam os textos e comentários históricos sobre a exposição o artista e engenheiro Floro Freire; o antropólogo e pesquisador Antônio Risério, o artista plástico e curador Emanoel Araújo, falecido em 2022; o arquiteto e historiador Chico Senna, e o professor e historiador Rafael Dantas; todos também participes das pesquisa histórica.
Serviço:
Exposição “A Memória Ilumina o Futuro
Até 8 de abril
Horário de funcionamento: segunda a sexta – 9h às 12h e 13h às 17h.
Local: Salão Chile – Palacete Tira-Chapéu
O projeto
A exposição “A Memória Ilumina o Futuro” nasceu do projeto “Retratos de um Tempo – Um Novo Olhar sobre a Cidade da Bahia”, que busca a reconstrução visual da Bahia Antiga, a partir de intervenções artesanais em documentos iconográficos de época, com o uso de tecnologia computadorizada.
A intervenção consiste em reconstruir minuciosamente detalhes sem nitidez que surgem ou se insinuam, quando se ampliam antigos registros fotográficos em preto e branco de panorâmicas de uma paisagem urbana que já não existe.
O resultado são painéis de forte apelo estético e sentimental, com grande densidade de informações históricas. Essas imagens são acompanhadas de textos histórico-antropológicos explicativos sobre o lugar e a época, de modo a oferecer uma visão mais íntima da vida baiana em tempos passados. Texto e imagem se reúnem, então, para recriar a cor da vida que foi congelada em preto e branco.
O próprio objetivo de levar a história às pessoas, especialmente à juventude, através de técnicas e produtos de seu cotidiano virtual, conduziu a exploração de outros caminhos. De uma parte, ao alargamento histórico, chegando aos primeiros dias de existência da cidade, sobre os quais a base documental não é visual, mas escrita. De outra, a abertura temática, capaz de viabilizar uma compreensão mais clara de aspectos centrais da vida baiana. Um reencontro com a história.
O artista
Floro Edmundo Freire Neto é engenheiro eletricista de formação, arquiteto de alma e artista plástico autodidata. Idealizou o projeto Retratos de um Tempo, que resultou em um filme/documentário, do mesmo nome do projeto, desenvolvido em parceria com o sociólogo e antropólogo Antônio Risério. Atualmente é engenheiro da Bahiainveste, órgão do Governo do Estado da Bahia.
“Salvador é uma cidade de topografia singular e possui um acervo histórico monumental, a maior cidade negra da américa latina. Meu interesse por ela é antigo. O olhar para a cidade, a Baia de Todos os Santos e a nossa história sempre estiveram presentes em minha formação. Desde os tempos das experiências fotográficas no laboratório do Colégio Antônio Vieira, quando comecei a me aproximar de fotos antigas de Salvador, passando pelo trabalho de geoprocessamento desenvolvido na Prodasal (antigo nome da empresa de processamento da PMS), ao trabalho em andamento de recuperação de panoramas e cenas antigas, através da reunião de fotos e pinturas com tecnologias digitais, embasadas em intensa pesquisa”, conta o artista.
Depoimentos
A Cidade da Bahia na memória e descobertas de Floro Freire
Há alguns anos tive o prazer de assistir, como membro do júri do Prêmio Odebrecht, a proposta de Floro Freire. O projeto de reconstruir o perfil fotográfico da cidade de Salvador, digo reconstruir no seu sentido mais amplo, fazendo surgir, como um arquiteto, a enorme fachada de uma cidade. A ideia era mesmo juntar recortes de imagens e ir compondo a grande fachada vista do mar, mais exata do que qualquer registro dos muitos que ainda existem nos desenhos e rascunhos de viajantes estrangeiros que se apaixonaram pela bela Cidade de São Salvador da Bahia de Todos os Santos no século XIX.
O projeto de Floro Freire é apaixonante. Tenho acompanhado os desdobramentos de sua proposta inicial. Atualmente, suas pesquisas vão além da sua primeira fachada frontal da cidade tipicamente portuguesa do Além Mar. Agora são três desde do século XVII, século XIX e começo de século XX, talvez uma das últimas mudanças físicas da sofrida, embora ainda deslumbrante Cidade, construída numa escarpa que a fez em dois Andares, Cidade Baixa e Cidade Alta, atravessadas pelas suas magníficas e tortuosas ladeiras ou pelas formas mecânicas de comunicação, elevadores e planos inclinados.
Enfim, Floro Freire é engenheiro, mas arquiteto de alma, construtor e edificador da cidade que ele recria, tentando não a deixar se perder, nem da sua memória, nem de suas pesquisas. Todos nós que a amamos de todas as suas formas ganhamos com isso, mas no íntimo sentimos e lamentamos aquilo que se perdeu e ele procura achar e recompor dessa nossa cidade, muitas vezes vítima da falta de sensibilidade com uma das mais bonitas e harmônicas cidade do Salvador, a Primeira Capital do Brasil.
Emanoel Araújo, Artista Plástico, curador do Museu Afro de São Paulo
Os panoramas revividos de Floro Freire
A visão de Salvador desde o mar tem despertado o interesse de gravadores desde o século XVII e, a partir de meados do XIX, de fotógrafos de várias nações. Mas são documentos em preto e branco. O artista Floro Freire vem “colorizando” as fotos destes últimos, dando vida àquilo que era só memória. Ele transforma fotos de 30cm em painéis de até 23 m. Não é fácil exibir estes painéis. Precisamos criar um museu para abrigar o rico patrimônio iconográfico de Salvador, de que Diógenes Rebouças e Floro Freire são os maiores cultores.
Paulo Ormindo, Arquiteto Urbanista,
Doutor pela Universidade de Estudo de Roma
Arte e memória
Os painéis históricos do frontispício da Cidade de Salvador – primeira capital do Brasil – construídos por Floro Freire, constituem trabalho técnico e artístico de relevante importância, uma contribuição inestimável para resgatar a imagem da Cidade e possibilitar às novas gerações se deslumbrar com o esplendor de nossa Capital.
Waldeck Ornelas, Especialista em planejamento Urbano-Regional
A engenhosa reconstituição pictórica de Salvador pelo engenheiro Floro Freire
As reconstituições digitais dos painéis pictóricos históricos de Salvador realizadas pelo engenheiro Floro Freire são trabalhos importantes, impactantes e fundamentais para o estudo e a compreensão da evolução urbana, paisagística e ambiental de Salvador, tendo em vista o uso de recursos digitais que possibilitam o acesso virtual, a interação, a releitura colorizada e a interpretação com base em dados fundamentados nas pesquisas históricas em fontes primárias complementares.
Ao longo da nossa história, desde os primórdios da colonização do Brasil, existiram inúmeros viajantes, principalmente estrangeiros, que registraram paisagens iconográficas das nossas cidades e, em particular de Salvador, não só pela sua importância política, econômica ou histórica, também, pela sua beleza paisagística, destacável no exótico panorama do “novo mundo” do atlântico sul, contribuindo assim como documentos para leituras e interpretações da nossa história.
Tais registros embasam a compreensão do que significou nossa capital no contexto da construção da nação brasileira, contribuindo para o entendimento de como se apresentou e do que representa atualmente a nossa cidade, com vista aos estudos conjunturais e projeções futuras para o seu desenvolvimento urbano e paisagístico. Além de representações pictóricas, estes preciosos painéis são instrumentos de trabalhos para um planejamento urbano com identidade cultural.
Francisco Senna, Arquiteto historiador