Turismo religioso: Romaria da Sucupira, lenda que virou tradição e fé no Tocantins

Por Zuleide D´Angelo*

Com mais de um século de história, festejo é realizado na região de Dianópolis, por devotos de Nossa Senhora do Rosário e do Divino Espírito Santo.

O pequeno monumento avisa que o visitante se aproxima de solo preservado pela fé. Foto: crédito Kamila Lopes.

 

A lenda do milagre que deu origem ao nome e à Romaria da Sucupira conta que, há mais de 100 anos, um vaqueiro encontrou imagem de madeira debaixo de um pé de Sucupira. Obra sacra datada do século XII, segundo padre Tiago Augusto Messias, pároco da Igreja São José, no município de Dianópolis, sudeste do Tocantins, não permanecia na casa do homem, ou qualquer outro local. Sempre reaparecia incrustrada no tronco da árvore onde foi encontrada, custodiada por abelhas.

A notícia correu pelo sertão e logo uma pequena igreja de palha foi construída para abrigar a imagem. Ausência de padre não impediu que os sertanejos fossem rezar em massa, aos pés da imagem.

Hoje, os devotos de Nossa Senhora do Rosário e do Divino Espírito Santo não medem esforços para terem também abrigo seguro durante a Romaria da Sucupira. As moradias provisórias de palha estão sendo substituídas, aos poucos, por construções de tijolos, mas ainda falta energia e água. É neste cenário que foi realizada a programação deste ano, entre os dias 2 e 7 de agosto.

A Romaria da Sucupira acontece a cerca 35 km de Dianópolis, de onde sai a maior parte dos romeiros. Considerada a única romaria sertaneja do Tocantins, é atrativo potencial do turismo religioso na Região Turística das Serras Gerais. Por aquelas terras, encontra-se o Bioma Cerrado em uma de suas máximas expressões, com árvores pequenas de troncos retorcidos, estrada de terra, bastante acidentada, coberta de cascalho e abundante areal cortando a serra que recebe o mesmo nome da romaria.

       Imagem de madeira foi encontrada no local da peregrinação centenária. 

 

A hora da folia girar

O estudante Cleissom Ribeiro Neto, dianopolino, 17, é caxeiro estreante, tocando um dos instrumentos clássicos das folias. Diz que aceitou o convite e está satisfeito com a receptividade dos proprietários das fazendas por onde ele e mais 15 foliões cantaram a folia por 12 dias e foram agraciados com boa alimentação e pouso.

A satisfação do caxeiro iniciante ocorre sob os cuidados do Alfer, o líder do giro da folia, pela sexta vez, Jurani de Castro da Paz, 56, servidor público em Dianópolis. Na condição de responsável pela folia do Rosário, Castro propõe a construção de um salão especial para abrigar os foliões depois que regressam do giro. O Alfer acredita que são medidas como essa que estimulam a participação no giro. “Nós éramos 16 pessoas percorrendo o sertão, num total de 12 fazendas, umas para alimentação e pouso e outras somente para refeição”, relata.

Alfer do Divino Espírito Santo, o pedreiro de Dianópolis, Ataíde Martins, 36, é outro veterano em liderar um giro. No âmbito da folia, se coloca atrás apenas do Espírito Santo. Aos seus cuidados estão a esmola doada pelos sertanejos fazendeiros e ainda representa um elo entre os foliões e os festeiros.

Encontro das Folias

No centro do casario inacabado da Sucupira, a multidão aguarda com expectativa, para assistir o Encontro das Folias debaixo da tenda montada cuidadosamente. O cenário para este momento de demonstração da fé à secular romaria envolve um calor sufocante e um pôr do Sol com leve brisa, anunciando o friozinho típico das noites na serra.

Primeiro, a Folia de Nossa Senhora do Rosário. Diante do Rei e da Rainha, os foliões entoam cantos retirados do repertório católico de orações, embalados pelos acordes de violas e percussão de pandeiros e tambores. A entrada do Divino não é diferente nos quesitos beleza, arte e profissão de fé.

É apenas o começo do espetáculo. Os caixeiros do Divino e do Rosário iniciam, ao mesmo tempo, um belo e ensurdecedor batuque de pandeiros, como se anunciassem um confronto, neste caso, o da fé. Cada Alfer flameja sua bandeira sobre as cabeças dos foliões, que repetem performances, como o gesto de tirar o chapéu, se colocar de cócoras e joelhos.

A Igreja e a Realeza

Cerimônias religiosas precedem aos momentos da coroação do Rei e Rainha de Nossa Senhora do Rosário e do Imperador e da Imperatriz do Divino Espírito Santo. A celebração no sábado é presidida pelo padre Gleibson Moreira, de Dianópolis, atualmente pároco em Paranã. Ele lembra aos fieis pedido recente do Papa Francisco, em Portugal. “Sucupira, a exemplo do que disse, o santo Papa, é para todos”.

Cortejo do Rei e da Rainha de Nossa Senhora do Rosário após cerimônia de coroação.

 

No domingo, é a vez do padre Tiago Augusto falar aos fieis. Faz menção à Romaria da Sucupira como uma organização cultural e religiosa, mas que “leva a palavra de Deus através do canto do Divino.”

Palavra de Rei

Filho da terra, há 60 anos, Hercy Aires Rodrigues Filho participa da Romaria da Sucupira. Desta vez, reina junto à esposa, Marizete de Fátima Costa Aires Rodrigues. Às vésperas da coroação, o rei de Nossa Senhora do Rosário disse que o festejo significa a fé levada ao alto. “O canto da folia é um diálogo de fé, cultura, história, tradição e muita religiosidade”, afirma emocionado.

Por sua vez, a Rainha Marizete presta apoio aos romeiros do Rosário, na certeza do dever de casa ter sido cumprido à altura dos participantes.

Sobrevivência da tradição

Padre Tiago Augusto aponta a criação da associação como novo horizonte e um desafio para os romeiros da Sucupira. Observa a contribuição do devoto Hercy para a implantação da infraestrutura de água e energia elétrica do lugar. O pároco não mede esforços na organização da associação. Ele promove com entusiamo a venda de picolés na sede da paróquia, no intuito de angariar fundos.

A imperatriz do Divino Espírito Santo, Isabel Cardoso, faz um apelo no seu discurso de coroação. Pede aos súditos para não deixarem a folia acabar. Para ela, “nem a morte faz a folia da Sucupira acabar”.

Em contrapartida, cobre de elogios a equipe de trabalho e manifesta sua gratidão aos povos do sertão, pois graças a eles a folia acontece. São eles que garantem a alimentação e o pouso das folias, ressalta. Agradece, ainda, os foliões por terem levado a palavra de Deus para os povoados no sertão.

Um festeiro pode ser escolhido por um romeiro, pelo padre da romaria ou até a pedido próprio, na intenção de pagar promessa. Quatro vezes rei e outras duas, imperador do Divino Espírito Santo, o agricultor dianopolino Onório José Cardoso Filho, 80 anos, residente em Natividade, diz que estar imperador é assumir a festa para ajudar o povo a fortalecer e manter a fé e, claro, a tradição. A recompensa: “a gente sai daqui contente e tranquilo, satisfeito com a boa vontade do povo em ajudar”, comemora.

Religião e turismo

As bandeiras simbolizam a folia e abençoam integrantes da roda. Fotos, crédito Mazim Aguiar.

 

O prefeito de Dianópolis, José Salomão, marcou presença na missa de domingo da Romaria da Sucupira. Ao ser perguntado sobre os valores a serem agregados pela Romaria da Sucupira ao turismo religioso do Tocantins, disse estar otimista e entusiasmado, pois acredita que há uma conexão entre religião e turismo.

Cita o exemplo de Trindade, em Goiás, e de Bonfim, em Natividade. “Quanto à nossa romaria, a gente observa que vem gente de fora”, diz, ressaltando a movimentação na noite de sábado. “Observamos que as pessoas vêm por curiosidade e isso é cultura, é o turismo que aquece a economia”, analisa.

Cumprir promessa e dar depoimento da graça recebida são desejos expressos pelos devotos. O festeiro mais jovem da Romaria da Sucupira de 2023 acaba de completar 15 anos.

Cadeirante por causa de uma doença no sistema nervoso, Eric Rodrigues Nunes pagou a promessa feita pela avó, se postulando como Capitão do Mastro de Nossa Senhora do Rosario. Confiante que a graça lhe será concedida, o dianopolino estudante do nono ano do ensino fundamental dá seu recado otimista e de fé: “acreditar em Deus, porque tudo na vida vai dar certo.”

Gercê Nunes de Jesus, dianopolino de 67 anos, servidor púbico em Brasília e filho de romeiro já foi rei e tio do mastreiro do festejo deste ano. Com a voz embargada, diz que o desejo de manter a tradição da festa significa amor pelos seus pais.

*Zuleide D´Angelo é associada da Febtur Tocantins e viajou a convite da Secretaria de Turismo do Estado

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