Por Livia Veiga –
Desde 2020, companhias áreas que operam no Brasil registraram o aumento de 60% no número de processos judiciais movidos por consumidores insatisfeitos. Os dados são da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), que aponta que o índice de judicialização no Brasil é cinco mil vezes maior que o dos Estados Unidos, por exemplo: no Brasil, a proporção é de uma ação judicial por 227 passageiros, enquanto nos EUA, é de uma para cada 1.254.561 passageiros.
Em entrevista à Agência Brasil, o diretor-presidente substituto da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Tiago Pereira, afirmou que o volume de processos contra empresas aéreas é um dos fatores responsáveis pelo aumento dos preços das passagens no Brasil. Sobre a justificativa para aumento de ações judiciais, a Anac aponta a suposta prática de “advocacia predatória”.
A presidente da Abear, Jurema Monteiro, não descarta que “haja casos em que o consumidor de fato faz jus a ressarcimento ou indenização”, como extravio de malas, cancelamentos de voos, atrasos, dentre outras situações. No entanto, a entidade explica que, no setor aéreo, o esquema de advocacia predatória “é mais sofisticado, pois envolve agentes de outros setores econômicos que, por meio de um sistema de retroalimentação, acabam sempre gerando mais e mais negócios uns para os outros”.
Com base em dados da plataforma Spotlaw, que reúne mais de 400 mil processos judiciais em todo o país, a Abear denuncia “o modus operandi” dos principais agentes supostamente envolvidos na judicialização no setor aéreo brasileiro. Segundo a associação, “10% dos processos ajuizados contra as quatro principais empresas do setor foram distribuídos por somente 20 advogados/escritórios” e, “por trás dos processos, existe um provável esquema envolvendo ferramentas de marketing digital, captação irregular de consumidores, compra de créditos judiciais e comércio irregular de vouchers de viagens”.
Em suma, o suposto “esquema”, de acordo com a Abear, teria o seguinte escopo de atuação: (1) perfis nas mídias sociais (plataformas) oferecem serviços por meio de publicidades agressiva, alcançando muitos passageiros, que não necessariamente tiveram problemas com seus voo; (2) ao localizar esses passageiros, colaboradores dessas empresas realizam contato para “aquisição” dos direitos de ação daquele passageiro contra determinada companhia aérea;
(3) os casos são enviados para que advogados parceiros ajuízem ações judiciais, com foco em acordos vantajosos, de preferência, recebendo em vouchers, para majorar os valores a receber no futuros; (4) as plataformas acabam comercializando esses trechos de passagens obtidos por meio dos vouchers para agentes inseridos no segmento do turismo, fazendo com que o investimento da compra do direito de ação se multiplique rapidamente.
Convênio é firmado entre a Anac e o Judiciário
Diante deste contexto, na última semana, a Anac e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) assinaram, em Brasília, um acordo de cooperação técnica para combate à judicialização, o que ascendeu o debate sobre o tema. Se por um lado, a Abrear aponta que as ações movidas contra companhias aéreas são facilitadas pela ausência de custas judiciais nos Juizados Especiais, por outro, entidades defendem os direitos do consumidor.
Também à Agência Brasil, o diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Vitor Hugo do Amaral, explicou que os consumidores, por vezes, “precisam recorrer à Justiça porque, no âmbito administrativo, as companhias aéreas não dão respostas satisfatórias a problemas como atrasos e cancelamentos de voos ou extravios de bagagem, entre outras questões”.
Por sua vez, o advogado do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), Igor Marchetti, alerta: “percebemos, nos últimos anos, um aumento das queixas e uma fragilidade na atuação da Anac contra as empresas. Daí termos ficado preocupados ao saber do acordo. Em vez de fiscalizar e questionar as companhias em casos de serviços mal prestados, a Anac prefere questionar os passageiros que levam suas queixas ao arbítrio da Justiça”. Ainda à Agência Brasil, Marchetti destacou a discordância entre resoluções da Anac e o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e as leis gerais do país.
Mesmo com um índice de resolução de questões de 81,53% em 2023, o Brasil ainda concentra 90% dos processos judiciais contra companhias aéreas, com uma projeção de 250 mil processos em 2024, de acordo com dados da ABEAR. “Na verdade, o que o Brasil precisa fazer é aplicar as legislações específicas que regulamentam o tema, e as legislações internacionais das quais ele próprio é signatário. Ou seja, as normas existem, o setor é regulado, no entanto, na prática, a justiça brasileira muitas vezes as ignora”, argumenta a advogada Julia Lins.
Fonte: Tribuna da Bahia – Foto; divulgação-Arquivo PTT.